terça-feira, 25 de agosto de 2009

Galeria 201



De longe o lugar mais aconchegante de Laredo, além da minha cama, é a Galeria 201. Encravada no início da Avenida San Bernardo, no centro histórico da cidade, abriga exposições e eventos culturais. Quem vê a galeria de fora não imagina o pequeno tesouro que se encontra além daquelas portas. Como quase tudo nesta cidade, tem um toque amador: quadros de artistas profissionais misturam-se a trabalhos de alunos de aula de desenho, a caixas de papelão esquecidas nos cantos e a até uma cama portátil encostada num corredor. A impressão é de que o lugar está sempre esperando uma arrumação que nunca chega. Mas é linda, charmosa e convida a sonhar.

A área de exposição das obras fica numa casa centenária. Pequena, talvez esta seja a primeira característica que lhe faz atraente. Casas pequenas geralmente têm alma grande. Casas grandes demais acabam se tornando impessoais e quase sempre desertos de ostentação. Grande parte do charme dessa casa provém de paredes que tiveram seu revestimento arrancado durante a renovação do lugar, deixando à mostra grossas colunas de pedras e tijolos que sustentam o prédio. Paredes desnudas, com entranhas tão expostas. Pedras de tom amarelado que emanam calor, como um amontoado de mulheres centenárias que souberam aproveitar bem a vida e hoje, banguelas, ainda cobrem-se de ouro e rendas, achando graça do tempo que lhes resta. O piso de tábuas de madeira corrida range ao menor caminhar. Uma voz rouca do tempo sob meus pés de novas eras. Sempre mudando de lugar, um recamier bordado de preto tem a medida das minhas ancas. Queria adormecer sobre sua manta já gasta e despertar nua numa tela de Rivera. Uma janela grande que nunca se abre traz iluminação natural através do vidro e veda qualquer sinal de vida racional. Ali dentro somos lúdicos, e que assim seja.

Aos fundos da galeria encontra-se um belíssimo pátio cercado de árvores, cactus, grandes vasos de cerâmica crua e obras de arte, como sereias fêmeas e machos penduradas nos galhos e esculturas de esqueletos observando a todos do telhado. Tem-se vontade de amanhecer ali, almoçar ali, jantar ali. Até mesmo morrer ali, rindo alto enquanto se come uma melancia no final da tarde.

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Tenho ido à Galeria 201 nestas manhãs de agosto, acompanhando minha mãe que está de férias e não hesitou em se matricular na aula de desenho em carvão com modelo vivo. O grupo é pequeno: o simpático professor mexicano Juan, três alunas e a modelo Chris. Jovem e muito branca, sua pele descasca por excesso de sol sem proteção. Cheia de pudores, não se despe completamente: desenlaça a parte superior do biquíni mas cobre os seios com as mãos. De costas para as alunas, tenta manter-se imóvel para que elas lhe retratem suas curvas e sombras. No dia seguinte, me confidencia sorrindo que está com os músculos doloridos de tanto ficar na mesma posição. O ambiente me inspira a fazer qualquer coisa, inclusive trabalho sério: num canto da casa, ligo meu notebook e dou andamento a uma pesquisa de mercado para uma empresa brasileira. Nada como dar uma pausa nestas condições. Não bastasse uma casa com alma, existe também a vibração leve e sedutora de arte em andamento.

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No momento a galeria abriga obras de arte da artista Kathy Sosa, texana de origem mexicana. Uma arte figurativa de cores fortes, repleta de elementos mexicanos retratando belas mulheres mestiças e indígenas. Não encontro originalidade nos quadros (ainda existe algo original em vigor nesta vida cercada de informação?), mas gosto do que vejo. Transmite festividade, luz, cor e faz bem às minhas retinas. Gostaria de ter US$ 3.000 disponíveis para arrematar o Our Lady of Grace, uma Nossa Senhora vestida de índia mexicana com um fundo ornado por diversas Virgens de Guadalupe. Artistas também precisam de capitalismo para sobreviver e continuar inspirando brasileiras tentando se encontrar nestas vastas fronteiras.

2 comentários:

  1. Juli, adorei a arte. Vale o preço. Te digo, não está caro o quadro é muito bom. Só uma dúvida, qual é o tamanho da tela? Dia desses apareceu um trabalhinho rápido e fácil e aproveitei para comprar, junto com Marcelo, dois quadros bem legais aqui para casa.
    Beijos,
    Cecilia

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  2. Maravilhosa Virgem, Juliana.
    Tira-me do chão essa coisa do inusitado, las colores coloridas afrontando as virgens de céu azul.
    Imagino o que seria ver in front of, se nesse meu turismo visual/virtual já extasia.
    Mande mais quando puder.
    Beijão.
    Irene

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Eu adoro um comentário sobre as minhas coisices. Escreve, escreve!