Batman e Robin tomam uma cerveja no canto do bar enquanto uma pata rebola com uma vampira. Quem se importa se no Brasil estão pedindo a volta da ditadura militar? Um zumbi abraça uma cowgirl. Uma deusa grega conversa com o Maverick de Top Gun e ali na TV mais uma cabeça rola de um facão do Estado Islâmico. Eu honro Frida Kahlo com suas flores na cabeça e sobrancelha que não conhece pinça. Celebro sua coragem de agir à frente do seu tempo, sua arte cheia de cores e dores, sua latinidade sem desculpas. É Halloween, dia oficial de se permitir ser alguém além de nós mesmos, um carnaval por algumas horas enquanto o resto do mundo segue sendo o resto do mundo, cheio de beleza e horror.
O que estas fantasias dizem das nossas aspirações e desejos secretos? Acabo de me dar conta que minhas fantasias de Halloween têm sido, invariavelmente, relacionadas com o meu então momento de vida. Quando o meu casamento estava em tremenda fase de teste eu fui Mulher-Maravilha. Quando eu finalmente me separei, me vesti de Medusa (certamente lá nos antros no meu inconsciente havia uma vontade latente de transformar os homens em pedra). A minha Frida Khalo de 2014 foi uma expressão de autenticidade, já que como nunca na minha vida me senti tão bem dentro da minha pele, me distanciando do ego (alguns quilômetros já fazem a diferença) e descobrindo a minha voz.
A verdade é que vivemos em constante estado de Halloween, fantasiados de Ego da hora que levantamos da cama à hora de novamente fecharmos os olhos. Nosso incansável ego dita o que somos, o que dizemos, como agimos. E quando menos nos damos conta já viramos reféns de regras sociais e pressão pública. Falta autenticidade para dizer sim, para dizer não, para dizer que ama, que odeia, pedir perdão. Somos fortes quando devemos ser vulneráveis, insensíveis quando podemos ser gentis, generosos quando um pouco de egoísmo faria toda a diferença do mundo. Vestimos a bandeira da liberdade de expressão quando na verdade queremos que aqueles que pensam diferentes de nós vão todos tomar no cú. Deixamos uma vida inteira passar com medo de errar, medo de morrer, medo de falar, medo de ousar fazer aquilo que verdadeiramente acende fagulha na veia. Porque é muito mais fácil nos prendermos ao que conhecemos, mesmo que a nossa noção de verdade seja a vida que não queremos levar e as relações que não queremos ter.
Olha que eu me conheço como uma pessoa aventureira, mas ainda preciso ousar agir de forma diferente em diversos aspectos se eu quiser transcender. Amor sendo uma delas. Querer formar uma parceria é bem diferente de sentir amor. É preciso também reconhecer que até esta identificação em ser aventureira não é a minha identidade, mas apenas uma fantasia que eu vesti desde os primórdios da adolescência para poder transitar no mundo. Saber reconhecer meus pontos de total inautenticidade são o primeiro passo para as possibilidades de transformação. Tenho feito umas aulas de coaching de vida. Um dos exercícios recentes é o de identificar estas areas de inautenticidade. A ferramenta funciona assim:
1. Eu pretendo (______)
2. Mas na verdade, estou escondendo que (_____)
3. O resultado disto na minha vida tem sido (________)
Coloco a ferramenta em prática com o exemplo de um colega desta aula, a quem vou chamar de John.
1. John pretende que ele é durão e não precisa de atenção.
2. Mas na verdade, John está escondendo que foi uma criança obesa e por conta disto foi bastante humilhado. John cresceu, perdeu peso, mas aquela humilhação que ele sentiu nunca foi embora. Para sobreviver os abusos verbais, John decidiu que faria o estilo bad boy, usando roupas pretas, dirigindo uma moto Harley Davidson e não permitindo se apaixonar.
3. Na vida de John, o resultado de usar diariamente a fantasia de bad boy tem sido afastar mulheres que estavam interessadas nele, pois no fundo ele ainda sente-se feio e vulnerável.
Ao descobrir a raíz da inautencidade, é possível completar o passado. Em outras palavras, o passado passa a morar lá atrás, onde ele existe, e não mais no presente nem no futuro. A partir daí, é possível moldar a vida que se quer viver. Assim, ao abrir o seu guarda-roupa pela manhã, você pode escolher vestir o seu eu-autêntico e simplesmente viver de sentir e explorar. Você vive de possibilidades e não mais de medo. Mergulhar nesta jornada não é exatamente fácil, mas é completamente transformador.
Qual fantasia você está vestindo hoje?
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Buscando tutano nos embalos de sábado à noite
Sábado à noite de alma irrequieta. De uma hora para outra
esta cidade tornou-se um pêndulo, movimentos que não variam de um lado para
outro, uma constância enfadonha de bares e gentes e seres da noite e
gargalhadas e taças de vinhos e três segundos de ilusão num balcão de bar. No espaço deste ano sair na noite
transitou de uma opção da minha nova liberdade para uma espécie de ritual
proletário de final de expediente, algo que clama por batom vermelho e salto
alto, mas também por substância, mas olha só eu procurando tutano nos lugares
errados. Em balcão de bar encontra-se copo e não medula. Em pista de dança
encontra-se muito desejo e quase nada de massa encefálica. Mas, vez por outra,
encontra-se ternura na face do medo.
Naquele sábado eu usava calça jeans e um par de texanas
botas vermelhas. Não era dia de
caça. Era dia de rever um antigo casal de amigos num microscópico bar do outro
lado da cidade, o clássico houstoniano Shakespeare Pub, reduto de amantes de blues, quase todos homens e mulheres
brancos de meia-idade. O lugar é escuro, as mesas de sinuca ao fundo estão
quase sempre vazias e as doses de bourbon on
the rocks são generosamente bem servidas por simpáticas garçonetes que mal
completaram 21 anos de idade. O clima é família, quase uma aberração no meio da
cena bar. E a música – ah, a
música! Doses colossais de pura beleza, guitarras elétricas que rasgam o espaço tilitando
ondas sonoras de hipnotizar tímpanos, retina e coração.
Naquela noite o cantor parecia uma reencarnação de um Robert
Plant de 30 e poucos anos. Seus longos cachos louros desciam abaixo dos ombros.
Sua voz era viril e intensa como as botas que usava: texanas, couro de
jacaré, bico pontudo de prata. Sua guitarra tocava um som estilo Austin, Texas, um blues
salpicado com rock e country, mas assim,
um tempero bem de leve, quase como uma pitada de fleur de sel só para dar gosto. Era impossível tirar os olhos e ouvidos do mini-palco. Sua
presença enchia todo o ambiente. Sua voz derretia o gelo do meu Maker’s Mark. Até o momento em que os
holofotes voltaram-se para o meio do salão.
Usando uma blusa do Texans, o time profissional de futebol
americano de Houston, shorts curtos, tênis e meias brancas até o meio das
canelas, um senhor de cabelos branquinhos e cara enrugada roubou a cena.
Reconheço que tempos atrás eu teria sentido aquela leve vergonha por sua
pessoa, pela expressividade da sua pessoa, por sua falta de estilo – ou
melhor, pelo seu tipo de estilo. Shame on
me e na humanidade por chamar de ridículo aquilo que não nos cai bem! Mas
nestes dias em que meu coração aprendeu a sentir mais e meu senso crítico a clamar menos, eu vi naquele salão vazio
um homem que não estava nem aí para ninguém, feliz com sua dança desajeitada, seus dedinhos apontando para o teto e
suas compridas meias. E alguma coisa naquela autenticidade mexeu comigo. Mais
um gole e fui ao seu encontro. Foram uns dois minutos de blues e quadris em movimento dançando frente a frente antes da música acabar. Voltei para minha mesa.
Meus amigos romenos sorriam para mim com ares de aprovação. O senhorzinho das
meias brancas sentou-se conosco. Seus olhos eram claros, mas naquele lugar escuro
era difícil dizer se azuis, verdes ou cinzas. Eram olhos de quem viveu muitos
anos, muito além da minha vida. Com uma voz rouca, me disse “thank you, really.” E com dificuldades
na fala, proferiu sua sentença: “Acabei se ser diagnosticado com câncer de
garganta.” Explicou que aquele era o último dia em que poderia beber antes de
começar a quimioterapia. Ele tinha 71 anos, mas parecia 10 anos mais velho. Com
uma garrafa de cerveja na mão ele me olhou mais uma vez e me agradeceu por ter
feito daquela noite algo muito especial para ele, ainda que por poucos minutos
de dança num salão desabitado.
Eu não posso dizer que conheço a cara da morte, mas eu vi a
cara de quem quis fazer um brinde à vida quando ela parece correr do nosso
controle. Naquela noite, depois
daquele encontro, eu dancei sozinha no salão quando ninguém dançava, nem mesmo
o senhor de meias brancas com sua última garrafa de cerveja. Eu cantarolei as
melodias das canções que eu não sabia. Eu saí dali para botar o papo em dia com
uma amiga que não via há muito tempo. Eu falei o que me deu vontade, sem filtros, e sei que não necessariamente agradei, mas falei o que eu precisava dizer. Naquela noite eu fui
dormir pensando que, de fato, o amanhã nada mais é do que uma grande ilusão e
que é possível, ainda que por um apanhado de minutos, encontrar beleza em face à
tragédia. E, inclusive, tutano em salão de bar.
domingo, 19 de outubro de 2014
A vida na outra margem do rio
De braços abertos no rio Sava em Belgrado, Sérvia, agosto de 2014 |
Eu atravessei para a outra margem do rio e o mundo que
encontrei é belo e bruto. As dores ficaram para trás e as cicatrizes já sumiram
com pomadas de humildade, compaixão própria, amizades sinceras e chá de
camomila antes de dormir. Se precisar de referências, leia o meu post anterior. Meu braços hojes são fortes, talhados em introspecção e ioga.
Porque é preciso ter braços fortes para se construir o futuro. E um músculo cardíaco que bate em
uníssono com a vontade de explorar.
O desafio inevitável é navegar o presente e erguer as pontes
para o amanhã. O meu presente hoje é de mulher profissional trabalhando no 47o andar de uma torre fincada no centro financeiro de uma grande metrópole
norte-americana. De mulher solteira re-descobrindo de que são feitas as conexões
entre homem e mulher e, neste exercício, rindo com as aventuras que aparecem no
caminho ou choramingando os desencontros e os eventuais encontros com ogros no
meio da estrada. Vida de filha que
daqui pra frente quer passar mais tempo perto dos pais, seja fisicamente ou em
espírito. Vida de explorar novas
amizades e de reavaliar aquelas que já não mais se sustentam porque as
diferenças de valores passaram a gritar mais alto que as semelhanças. Vida de
quem aprendeu a dizer não a maior parte do tempo. Mas ainda há muitos nãos a
dizer. E, como não podia deixar de ser, uma sacola cheia de sins.
O meu presente hoje é de tentar achar o meu lugar no mundo,
tirar o olho do umbigo e pensar no legado que deixarei para a humanidade. De
que valem os títulos e as torres se a energia não está focada para o bem comum,
para o melhoramento da nossa espécie humana, para a quebra das correntes, para
o esfalecimento do medo? Neste último ano vi que um dos dons que possuo é o de
aconselhar mulheres profissionais a
viverem plenas vidas profissionais, sem medo de negociarem salários, de
sentarem-se `a mesa junto aos tomadores de decisões, de pedirem as merecidas
promoções. Estou moldando projetos em cima disto, nada muito concreto, apenas
emaranhados de pensamentos e vontade. Vamos ver para onde me levará a próxima
aventura. Espero que em minha vida ainda haja muitos rios por nadar, de preferência
em águas mais calmas e transparentes.
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