quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natal

Então é véspera de Natal e os ventos mudaram a partir da meia-noite trazendo um friozinho de estalar a espinha. O meio-oeste é um tapete branco mas não há sinal de neve por aqui. Há um sol dourado, um céu muito azul e um vento que derruba cadeiras no quintal. Na fronteira os mexicanos preparam seus tamales, deliciosas iguarias à base de milho, semelhante a uma pequena pamonha salgada, para celebrar a Noche Buena. Dona Amélia, minha diarista, me trouxe uma dúzia feitos por ela na mais autêntica tradição, com pimenta boa e brava. Os mais fincados no lado texano do Rio Grande celebram a data no dia 25. O trânsito durante a semana na divisa dos dois países esteve intenso, com a leva de mexicanos cruzando a ponte para festejar a data ao lado da família. Se existe recessão, a impressão que se tem é que ela acabou por aqui. Prateleiras estão vazias nas lojas e desde o final de novembro as filas estão enormes -- talvez porque os estabelecimentos tenham deixado de contratar trabalhadores temporários. Papai Noel fala espanhol e vende queijos com geléias no supermercado onde eu deixo para comprar tudo de última hora. Um presunto defumado para a noite de 24, um peru para o almoço do 25. O chutney de manga já está pronto desde a noite passada. A casa cheira a gengibre e especiarias. Gelatina colorida de sobremesa. Eu, a segunda geração, já incorporo as tradições da primeira. E crio novas, como um escondidinho de linguiça. Roberto Carlos não toca na TV, mas não sinto a menor falta. Os hinos natalinos ganham nova roupagem em forma de jazz, rock e R&B no Starbucks local, onde bebo meu Caramel Brulé Latte no mais puro estilo new yuppie. Me reúno com os amigos recentes para organizar uma grande festa para 80 pessoas na noite do 25 numa charmosa galeria de arte no centro da cidade. Escolhemos os panos para enfeitar o local. Seleciono as cores: verde, roxo e prata, uma intensidade de contrastes. Tento sentir o mesmo frio da barriga de anos atrás quando a data de hoje chegava, mas meu termômetro está em temperatura natural. Este ano não há árvore. A mudança iminente para a nova cidade pediu prudência nos gastos com decoração. Apenas uma meia vermelha e outra verde na janela da sala, aguardando um Papai Noel que que terá que entrar pelo buraco da coifa da cozinha na falta de uma chaminé. Será um natal de duas pessoas, um primeiro natal de casados, ao lado de uma gatinha e duas cachorrinhas. Um bebê e seria quase um presépio. Passo a semana tentando me lembrar porque é que celebramos o natal. O sentido religioso há muito tempo se foi, hoje é tudo comércio, mas também família. Ainda assim à noite vou ler em voz alta um trecho da Bíblia, voltar às origens, celebrar um hippie 2000 anos à frente do seu tempo que veio à Terra com uma mensagem de paz, só não ficou tão pop como Buda ou o Dalai Lama. Um pouco de incenso faria bem a este mundo. Assim como algumas doses cavalares de boa vontade. Mas celebremos. Feliz Noche Buena, Merry Christmas, Feliz Natal a todos.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Ritos fúnebres nos EUA e Brasil (e algumas notas sobre a vida, a morte e o que fica de tudo isto)

É apropriado falar de vida e morte num sentido figurativo quando o mundo está prestes a celebrar o nascimento de um dos seus maiores ícones religiosos e o fim de mais um ano é iminente. Contudo, atentemos ao sentido mais literal de vida e morte, da chegada e da partida deste mundo, do pó que viemos ao pó que voltamos, e aos acontecimentos entre estas duas etapas. Há uma semana estive no velório da mãe da chefe do meu marido. Eu não a conhecia, portanto foi mais fácil me distanciar da intensa carga emocional de assistir à perda de alguém querido. Nem por isto a sensação de fragilidade perante a vida, ou ainda, perante a morte, se fez menor. Observando o cerimonial fúnebre americano, que tem diferenças marcantes em relação ao brasileiro, me vi novamente refletindo sobre o maior de todos os mistérios, pois tudo o que sabemos a respeito da morte está carregado de superstições, crenças, suposições e dúvidas. A morte que, para alguns grupos aqui da fronteira, também é Santa Morte e venerada. Não existe ciência que prove nada, apenas que um dia tudo se vai. Cabe a cada um acreditar no que se sucederá, de acordo com suas convicções ou fé, e de que forma viverá até o momento do suspiro derradeiro.

Quando morei neste país pela primeira vez, aos 17 anos como intercambista, o meu "avô" americano faleceu (era o pai do meu "pai" americano). À primeira vista, tudo relacionado à maneira como a morte dele foi conduzida me chocou. Para mim havia um excesso de profissionalismo, frieza e distanciamento incompatíveis com um momento tão delicado, marcantemente diferente de como eu havia presenciado a morte no Brasil. O contraste com o primeiro velório que atendi na vida era gritante, na ocasião do falecimento do meu avô paterno em Juazeiro, Bahia, aos meus nove anos de idade, em meados dos anos 1980. Como a maioria dos cerimoniais fúnebres brasileiros, a velação do corpo ocorreu no mesmo dia do falecimento. Meu avô morreu de madrugada e à tarde já havia dezenas de pessoas ao redor do seu caixão. Naquele tempo e cidade, ainda havia a tradição de se usar preto em sinal de luto. As mulheres, sobretudo as mais idosas, também cobriam o rosto com um lenço de renda preto. Lembro-me da minha avó vestindo uma roupa preta. A maioria das pessoas trajava suas roupas do dia-a-dia, bastante informais. Mulheres rezavam o terço e entoavam cantilenas religiosas em vozes arrastadas. Alguns membros da família choravam desesperadamente sobre o caixão. Minha tia beijou o rosto do meu avô, e até então eu nunca poderia imaginar que era possível beijar um corpo sem vida. Do lado de fora da casa, um carro de som circulava pelas ruas da cidade anunciando seu falecimento. Lembro-me, sobretudo, de coisas extremamente gráficas e demasiadamente orgânicas que me chocaram intensamente, como alguém dizendo que o corpo deveria prosseguir ao cemitério antes que começasse a cheirar mal. Havia secreções descendo do corpo do meu avô: de hora em hora alguém tinha que trocar o algodão que lhe tapava as narinas e seus olhos se abriam. No cemitério, sua cova foi cavada na frente de todos os que ali estavam presentes. Um coveiro, uma pá e uma terra vermelha de onde saíram uma caveira, um fêmur e uma tíbia. Descobrimos ali que duas outras pessoas já haviam sido enterradas no mesmo local. Vi a terra ser jogada novamente por cima da cova. Era o meu primeiro contato com a morte e ela me pareceu extremamente crua e impiedosa. Nas duas semanas consecutivas eu tive pesadelos frequentes.

Fast foward no tempo e, infelizmente, em 2009 eu sofri a perda de um amigo querido, Marcelo, que se foi literalmente num piscar de olhos. Tinha minha idade, nenhuma enfermidade aparente e vivia uma vida não muito diferente da minha. Um baque enorme que até hoje não consegui processar. Uma partida sem explicação racional, pois não foi causada por acidente, crime, doença ou idade avançada. Num suspiro seu coração sucumbiu. É possível aceitar, mas é muito, muito difícil entender que aos 33 anos de idade era a hora de alguém tão cheio de planos, tão cheio de amigos e tão amado ir embora. Não há um dia em que eu não pense nele, na sua mulher ou nos seus amigos mais próximos que para sempre sentirão sua falta. Seu velório foi um dia após o seu falecimento, na capela de um cemitério da zona sul carioca. A quantidade de elementos gráficos que me chocaram na infância não foi tão notória, mas ainda assim estavam lá: um atendente do IML falando coisas muito explícitas sobre a liberação do corpo, um cemitério claustrofóbico, uma sala de velório encardida. Contudo, o choque maior desta vez foi mesmo o emocional.

Quando o meu "avô" americano se foi, o meu espanto foi causado pelo excesso de zelo. Tudo ficou aos cuidados de uma funerária, uma casa bonita com carpete, perfumada e limpa, onde um atendente sorridente nos conduzia à nossa capela. Aquele sorriso me causou grande desconforto, afinal para mim o momento de dor e perda não condizia em nada com tal expressão. Para mim, ele era um homem de negócios fazendo dinheiro, nada mais. O velório durou três dias, um deles sendo na igreja que grandpa frequentava. Grandpa estava extremamente branco, maquiado com base e pó. Os homens, incluindo os meninos, usavam terno e as mulheres trajavam seus vestidos mais formais em cores sóbrias. No cemitério, havia uma tenda branca ornamentada com flores, e à sua sombra cadeiras para a família. A cova já estava pronta e não havia sinais de terra. Pelo contrário, havia um tapete de grama sintética ao redor do buraco. As pessoas partiram antes de verem o túmulo ser fechado. O caixão era baixado à terra através de um mecanismo automatizado. Tudo muito higienizado, desinfetado, maquiado, polido. Durante aqueles três dias, carregamentos de comidas e bebidas chegaram à casa de grandma , enviado por parentes e amigos. Eram pilhas de pães, salgadinhos, donuts, doces, pastas, sucos, refrigerantes. Também havia sacos de pratos e talheres descartáveis. Não conseguia entender aquela fixação por comida. Após o enterro, houve um grande almoço na casa dela, numa recepção semelhante às que vemos nos filmes americanos e que até então sempre haviam me causado espanto pela dose visível de descontração.

No velório que atendi neste dezembro em Laredo, nada muito diferente do que presenciei há 16 anos: homens de terno e mulheres com roupas formais; uma funeral home, ou casa especializada em velórios, muito limpa, organizada e decorada como uma casa de família; um sorridente atendente de terno conduzindo todos à capela. Mas havia novos recursos. Nos alto-falantes, música clássica com ênfase nos noturnos de Chopin. Numa grande TV de plasma, logo acima do caixão, um vídeo mostrava diversas fotos da senhora que partiu. Uma vida de mais de 80 anos resumida em momentos alegres, como aniversários de família, o abraço dos netos, um dia na praia em preto e branco, uma bela moça de 18 anos num estupendo vestido de baile.

Hoje compreendo que estas tradições americanas que me impressionaram tanto quanto a visceralidade das tradições brasileiras na verdade servem de pára-choque para um momento tão pesaroso. Ainda que um velório de três dias possa parecer demasiadamente longo, possibilita à família e aos amigos ganharem um pouco mais de tempo para processarem a partida da pessoa querida. Mesmo racionalmente sabendo que a pessoa de fato já não está mais ali, são algumas horas a mais ao lado dela. O envio de comida para a casa da família mostra não apenas consideração, mas praticidade mesmo: ninguém tem cabeça para pensar em cozinhar, ou mesmo pedir comida, durante aqueles primeiros momentos de perda. E como bem sabemos praticidade é uma característica forte do americano. Planejamento de longo prazo também. Falar sobre os planos para a morte, por mais chocante que pareça, é encarado com bastante naturalidade. Se bem que não há prazo com a morte. Na cidadezinha de Iowa onde morei na década de 1990, as minhas host families já tinham tudo esquematizado através do seguro funeral para o caso da morte prematura de algum dos pais ou mães. Umas senhoras que estavam no enterro diziam que já tinham inclusive escolhido seu próprio caixão. Eu mal havia começado a namorar o meu marido e ele já perguntava onde seríamos enterrados, uma vez que sou brasileira e ele é americano. Ele quer que sejamos enterrados lado a lado.

Recentemente aqui na fronteira tomei conhecimento da Santa Morte, uma entidade venerada no México e que já adentrou as populações imigrantes nos Estados Unidos. Ainda estou devendo um post exclusivo sobre o tema, pois é fascinante. Mas em resumo ela é venerada, entre outros aspectos, por representar não o fim, mas o começo de uma nova vida. Para haver vida, é necessário haver a morte, e de fato não há verdade maior. Sua longa manta representa a nossa carne e as riquezas materiais, que não duram e podem ser retiradas de nós. Numa das mãos carrega uma foice, símbolo da colheita, representando esperança e prosperidade. Na outra traz um globo, simbolizando a imensidão do seu domínio e o túmulo para onde todos retornaremos. Uma coruja sempre lhe acompanha, representando sabedoria e lhe servindo de luz na escuridão. Muitas vezes ela também carrega uma ampulheta, que indica o tempo da nossa vida na Terra, assim como paciência. Só consigo encontrar bom senso nestes símbolos.

Sabemos que um dia nos vamos, que as pessoas que amamos também partirão --apenas fisicamente, já que elas sempre existirão enquanto forem lembradas. Exige-se força hercúlea arcar com a perda de alguém que se foi antes de nós. Mas entender ou aceitar a verdade de que "se morre a partir do momento em que se nasce", como alguém já proferiu, e que "a morte é a única certeza que de fato temos" pode nos ensinar a vivermos de forma mais sábia e plena. Não sou de ficar pensando na minha morte, mas claro que já cogitei ter as cinzas jogadas no Rio São Francisco a partir da ponte que liga Petrolina-PE a Juazeiro-BA. Honestamente, quando a minha vez chegar, que seja onde der menos trabalho para quem ficar responsável pela tarefa. Sei também que provavelmente ninguém vai acreditar ou fazer isto acontecer, mas eu preferia, inclusive, que o formato fosse de festa. Uns sambas de Chico Buarque, umas caipirinhas e umas comidas gostosas. E um batom bem bonito nos meus lábios, por favor. Sei que soa mórbido, mas entre tantas lembranças acabamos também recordando do rosto da pessoa querida no seu leito final. Pelo menos lembrem-se de mim com rímel, gloss e um pouco de sombra dourada. Por alguma razão, desde meus tempos imemoriais, sempre tive a sensação de que a vida é mesmo muito frágil e pode acabar a qualquer minuto. Por isto uma vontade louca de tudo viver, de a todos conhecer, de viajar, de não postergar tanto os planos, de sorrir mais e, mais recentemente, sobretudo após a partida do meu amigo, de deixar claro o quanto amo e admiro as pessoas que amo e admiro. Ainda não me sinto pronta para partir -- pelo contrário, tenho planos para décadas e mais décadas por vir -- mas se a minha hora chegar, posso dizer que vivi uma vida plena e feliz. Cada fase intensamente vivida com todas as suas conquistas, dúvidas, dores, alegrias, encontros e desencontros. Algumas fotos de carnavais purpurinados e outras de noites em claro chorando as pitangas. O saldo, porém, é bem positivo.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Considerações sobre o trabalho e uma vida ordinária: parte 2

Neste ato solitário que é escrever, mesmo um blog que considero tão inofensivo quanto o meu, com pensamentos de alguém que não é especialista em nada e generalista em quase tudo, me dou conta do quanto é saudável poder trocar idéias a respeito dos assuntos que aqui publico. Na solidão da escrita rápida de crônicas corriqueiras é muito comum faltar um checklist aprofundado dos temas em destaque. Ao reler o que escrevi dias após a publicação, tenho vontade de reescrever algumas mal traçadas linhas. A auto-crítica faz-se constantemente necessária. Recentemente uma amiga deixou um comentário no post em que eu fazia algumas considerações sobre o trabalho e uma vida ordinária. Ao reler o texto, me dei conta da quantidade de outros pensamentos relevantes ao tema que deixei de expressar. Este post, portanto, é um addendum aos pensamentos aqui escritos em 02 de dezembro.

Ficou um hiato no meu texto sobre a opção de ser mãe e viver uma vida dedicada ao lar. Algo que considero totalmente nobre se, tendo a mulher a opção de trabalhar dentro ou fora de casa, for feito de maneira consciente, por livre e espontânea vontade. Nada como as liberdades. Cuidar da educação de uma pessoa, fazê-la crescer saudável e plena é um dos atos mais nobres que conheço. E dá um trabalho da porra! Tenho várias amigas que fizeram esta opção. Um ponto importante: todas americanas ou brasileiras vivendo nos Estados Unidos, onde as facilidades econômicas propiciam esta escolha. O custo de colocar o filho numa creche ou contratar uma babá é tão alto que muitos casais optam para que um dos cônjugues fique em casa na função integral de mãe ou pai. Obviamente que em 99,9% dos casos quem assume o papel é a mulher. Com a recessão, porém, algumas amigas ou voltaram ao batente ou estão trabalhando meio-período.

Acredito veemente, porém, que ainda que se escolha ficar em casa, é importante para a mulher dedicar um pouco a mais do seu tempo a outras atividades que não sejam apenas a criação dos filhos ou a organização do lar, pois a vida é bem mais plural do que isto. Faça um curso de fotografia, aprenda a desenhar, vá a academia, comece um clube do livro. Produza, insira-se num meio criativo, esteja sempre a expandir seus horizontes, pois trará imensos benefícios para si mesma e consequentemente para o resto da família. O que acontecerá no dia em que os filhos forem embora? Fazendo outras atividades focadas no seu bem-estar, exercita-se, entre tantos itens de uma vasta lista, a independência, o desapego e o estar em contato consigo versus anular-se por completo dentro de uma relação ou no papel de mãe, que é, em grande parte, o papel de servir.

Entre os meus planos de vida está o de ser mãe, ainda sem data definida. Mas aos 33 anos já não se dá mais para esperar tanto assim, portanto algumas reflexões começam a surgir com mais frequência, entre elas a de se optarei por ficar em casa durante uma temporada cuidando dos filhos ou se tentarei me dividir entre o trabalhar fora de casa e o trabalhar dentro de casa. Como bem colocou minha amiga Genoveva, "cá entre nós, à mulher moderna restam estas duas opções!" Por mais que os homens que minhas amigas elegeram para se casar sejam, na sua maioria, bem mais flexíveis que a geração dos seus pais, estou por conhecer um casal realmente moderno no qual o trabalho doméstico seja dividido meio a meio entre homem e mulher. Talvez exista lá no reino da Dinamarca, onde tudo é perfeito, mas no Brasil ou aqui nos Estados Unidos eu ainda não vi. Em geral o homem simplesmente se abstrai de tomar a iniciativa para certas funções. Meu marido é um bom exemplo: é bastante compreensivo no que toca as responsabilidades do lar, ajudando sempre que peço, porém se eu não pedir, assume-se que eu, por não estar trabalhando fora, tenho a responsabilidade de fazê-lo. Ou então faz pela metade: leva o lixo para fora, mas não coloca um novo saco plástico na lixeira. Como se a lixeira fosse robótica e automaticamente acionasse o refil. Eu, buscando sempre a modernidade, já devo estar na trigésima-quarta repetição de "amor, por favor, não se esqueça de colocar um novo saco plástico." Sabe aquela história de entrar por um ouvido e sair pelo outro? E apois. Mas existe também o caso da mulher tomar para ela a maior parte das responsabilidades. Um dia uma amiga, exausta física e emocionalmente, me confidenciou que o marido nunca havia trocado a fralda dos filhos. Eu perguntei se ela já havia deixado que ele o fizesse. Ela se deu conta que ele tentou uma vez, mas por fazê-lo tão mal ela tomou para si a totalidade da função. A verdade é que nós, mulheres, com nosso perfeccionismo e alto grau de exigência, podemos ser tão controladoras a ponto de dificultarmos nossa própria vida sem nos darmos conta.

Trabalhar no lar dá um trabalho danado e é uma ocupação que nunca acaba -- sempre há uma louça para lavar, uma roupa para passar, uma lâmpada para trocar, um banheiro para limpar. Não há remuneração e muito menos reconhecimento, além de ser um trabalho repetitivo e criativamente limitado. Ainda que seja possível ter uma empregada, caberá quase sempre à mulher a função de organizar a casa: efetuar o pagamento da diarista, fazer a lista do supermercado, decidir qual será a ceia de natal, lembrar o marido do aniversário do pai dele, mudar as cortinas da sala, chamar a empresa que limpa carpetes, organizar o batizado da filha, pregar os botões do casaco do filho, marcar consultas médicas para família. Novamente, pelas razões que mencionei acima: abstração do cônjugue ou pelo fato da mulher tomar como sendo dela estas responsabilidades. Alguém me diga se há outras razões. Tendo-se, pois, opções de escolha entre trabalhar dentro ou fora-dentro de casa, acredito que eu opte pela segunda. Lembro muito bem das minhas colegas de trabalho no Rio de Janeiro que enchiam os olhos de lágrimas ao falar que já era a terceira noite consecutiva que não conseguiam ver o filho porque, ao chegarem em casa, ele já estava dormindo. Espero não ter que passar por esta constante sensação de frustração e culpa, mas pelo que pude observar é inerente ao ser mulher-mãe-profissional. Mas no fim das contas, dá para balancear as multi-funções e conviver com as nóias sem apelar para Prozac ou meia garrafa de vinho por dia. Espero, quem sabe, conseguir um trabalho com horário flexível ou home-office. Ser mãe e cuidar do lar é um trabalho nobre, mas o trabalho fora de casa também e honrável e enobrece. Acredito que quando tanto o marido quanto a esposa ganham seu próprio dinheiro, a relação do casal se torna mais equilibrada. Porque convenhamos, por mais maravilhoso que seja o parceiro, há uma relação de poder advinda de quem está trazendo o pão pra dentro de casa. Primeiro, porque ganha-se mais força na barganha da delegação das atividades domésticas. Segundo porque ninguém merece ter que ouvir o marido dizer que está sem poder comprar camisas novas porque, em vez disto, o dinheiro foi para a depilação com cera quente da esposa. Lógico que, neste caso, a mulher tem o total direito de chantagear o marido dizendo que passará a adotar um penteado vintage no seu pólo sul.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Estereótipos e caricaturas de um certo Brazil


Sábado à tarde, irritada com o fato de o Presidente Barack Obama ter recebido na última quinta-feira o Nobel da Paz -- considerando que apenas uma semana antes ele havia anunciado o envio de mais 30.000 tropas para o Afeganistão, numa campanha em que até mesmo alguns de seus generais prevêem o que se tornará uma guerra ainda mais caótica que a do Iraque -- eu zapeava canais de televisão até encontrar algo totalmente leve, divertido e à prova de irritação. Parei no canal Bravo, onde mais um episódio de America's Next Top Model se desenrolava. Este reality show, no qual meninas esqueléticas tentam ser a próxima Gisele Bündchen, é uma daquelas frivolidades que rende boas gargalhadas sem exigir fosfato algum do cérebro. Como toda mulher, carrego a mulherzinha interior que sempre teve um desejo oculto de ser modelete. Às vezes nem tão oculto assim. Tanto que --- e aqui revelo aspectos do meu negro passado -- aos 11 anos ganhei o concurso de Rainha de Milho do colégio e aos 12 anos conquistei o título de Miss Jardim Paulo Afonso, o nome do meu bairro. Parei por aí. Alguém me disse que é a beleza interior que conta, mas depois de crescer e ficar um pouco mais cínica acho que deve ter sido alguém bem feio. Mas voltando ao programa: sábado não era o meu dia, pois não apenas aquele foi o episódio mais irritante que poderia ser veiculado, como também uma força maior me impedia de desligar o vídeo. Eu precisava assistir até o final aquele conteúdo medonho que trazia à tela mais uma caricatura de um estereotipado país chamado Brazil, só para ter certeza de que a sua imagem no exterior continua tão igual à que sempre foi.


O tom de "originalidade" foi dado no momento em que as modelos souberam onde se passaria a próxima prova: uma chuva de papéis verde-amarela, samba como fundo musical e jurados dançando desengonçadamente com caribenhas maracas coloridas nas mãos. Afinal, tudo ao sul do Texas é praticamente a mesma coisa para a maior parte do (ignorante) público nestas bandas do norte. Ou seriam as maracas representativas de Carmem Miranda, o estereótipo-mor da brasileira que desde a década de 1940 permeia o imaginário norte-americano? Meu marido, às gargalhadas com minha fúria no olhar, trazia bananas e maçãs da cozinha e as colocava na minha cabeça. O que mais dói é que aquele programa não foi preparado por pessoas ignorantes. Refaço: ignorância é algo relativo. Tenho certeza que quem escreveu, dirigiu e/ou produziu o show estudou, viajou e saiu dos Estados Unidos pelo menos uma vez na vida. Mas é mesmo muito mais fácil e cômodo nivelar por baixo.

O episódio se passava em São Paulo, onde as modelos enfrentavam diversos desafios que culminariam na eliminação de uma delas. A recepção das moçoilas foi no Jardim Botânico, onde -- e como não? -- um grupo de mulatas em roupas minúsculas e estandartes na cabeça rebolavam o burugundum. Na primeira prova, as modelos tinham que comprar flores para levar para ninguém menos que a Girl from Ipanema. Pelo menos nesta parte eu vibrei -- não pela Garota de Ipanema, mas por ver minha amiga Verônica fazendo o papel de florista. Foi bom ter assim, tão dentro de casa e a milhares de quilômetros um rosto familiar e querido. Mas eis que a própria Garota de Ipanema, Helô Pinheiro, em carne e osso (e total falta de bom senso) desce as escadarias requebrando as cadeiras e remexendo os bracinhos bem ao estilo Carmem. Não satisfeita, ainda ensina às participantes que elas precisam saber se mover "com graça", pois foi por esta razão que se tornou musa daquela música. A esta altura, eu já estava com a cara totalmente enterrada na almofada, morrendo uma trágica morte de VPP (Vergonha Pela Pessoa, genial termo que aprendi durante minha estada carioca).

Helô Pinheiro aparece no vídeo abaixo a partir da marca de 1 minuto.


Como todo bolo que se preze tem uma cereja no topo, o programa ainda adicionou esta mega cereja de desafio: as garotas iam a uma favela para uma sessão de fotos fantasiadas de quem? De quem? Ninguém menos que Carmem Miranda! Façamos justiça: foi interessante o programa trazer a favela tão para dentro do mainstream. Neste ponto, ajuda a quebrar o preconceito de violência sempre associado a estas comunidades. Mas havia algo de bizarro e cruel naquele gritante contraste de pobreza com o luxo de belas fotos em modelos gringas e (quase todas) muito brancas. Era a miséria sendo tomada como exótica e apresentada a um público que não conhece nada ou praticamente nada daquele universo.



A falta de aprofundamento deste olhar estrangeiro sobre o país registrava (novamente) em foto e vídeo um Brasil simplificado, paradisíaco, pobre, selvagem, tropical e sensual. Um olhar estrangeiro formador de opinião que repassava para mais uma geração uma versão lugar-comum de Brasil, batida por séculos desde os tempos de Hans Staden. Não que o estereótipo não traga traços da realidade, mas por fazê-lo de maneira tão simplista e superficial acaba por se tornar nocivo, carregado de preconceitos, reduzindo a realidade a um olhar repetitivo e carregado de clichés. O próprio Brasil tem em parte culpa por este olhar reducionista, pois durante décadas vendeu em campanhas turísticas no exterior um Brasil de mulatas, samba, futebol e floresta Amazônica. Até mesmo recentemente a própria campanha pelas Olimpíadas no Rio esteve carregada com estes mesmos símbolos tão profundamente cimentados no imaginário universal. Pior ainda é quando vejo ou escuto que brasileiros continuam a propagar os mesmos velhos conceitos. Outro dia num restaurante mexicano o dono, quando soube minha nacionalidade, veio me dizer que conheceu uma brasileira em San Antonio, Texas, que vendia biquínis "muy, muy pequeños" e que de acordo com ela era o que as compatriotas usavam nas nossas belas e tropicais praias. Há mentira nisto? Não. Mas este tipo de situação só enfatiza o aspecto "Brasil-terra-de-mulher-sensual-diga-se-de-passagem-puta" que permeia o imaginário da gringolândia. Está na hora desta gente bronzeada dar novos exemplos.

Conforme dissertação acadêmica do jornalista Ivan Paganotti, "os estereótipos são cruciais para a assimilação e reprodução de conceitos complexos, e tem um efeito positivo (...): oferecem um denominador comum a partir dos quais ( as pessoas) podem construir suas narrativas mais aprofundadas. Mas a armadilha simplificadora dos estereótipos persiste: quando não mais condizem com a situação que representam, eles precisam ser discutidos, transformados e, quando necessário, negados. (...) É cômodo basear a cobertura (jornalística) em pressupostos, alimentando as pré-concepções com dados, histórias e interpretações que reafirmam o que o público já sabe sobre a realidade ou, no pior cenário, repetir conceitos ideologicamente enviesados que simplesmente não condizem com a verdade." Porque sabemos (ou não?), que o Brasil é um país diverso e complexo, muitas vezes incompreensível até mesmo para nós brasileiros, que vai muito além destas representações batidas. Um país que tem pobreza sim, mas também progresso. Um país que produz e exporta aviões, possuidor de belas cidades, caatinga e serrado -- e não apenas praia e floresta amazônica--, e dono de uma produção cultural de alto nível em cinema, teatro, literatura, artes plásticas e dança (muito além do puro samba e rebolado). Um país empreendedor, com espaço para erudição, ciência e tecnologia. Para ser levado a sério, o Brasil precisa vender estes conceitos. Senão, corre o risco de ser eternamente um enlatado Brazil com prazo de validade vencido.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Dia da Carreira na high school (e algumas considerações sobre o trabalho e uma vida ordinária)

Na semana passada fui convidada para contar as delícias de uma carreira em marketing para cinco turmas de formandos no Dia da Carreira da United High School em Laredo. O convite chegou como um suco concentrado de açaí com gengibre na veia que trafega diretamente ao meu ego, levantando meu ânimo de dona de casa ao me fazer voltar à minha personagem eu-profissional. Já estava até esquecendo a temperatura daquele friozinho na barriga antes de uma apresentação -- e olha que já fiz tantas, quase sempre de sucesso, mas também já fiquei à beira de levar tomates da platéia. Naquela manhã fria e molhada de um outono que chegou tarde, diante de estudantes adolescentes que ainda têm a vida inteira pela frente, eu refleti em silêncio sobre minhas escolhas profissionais, meu atual momento de desemprego enquanto aguardo uma licença para trabalhar e o que é que eu farei com o resto da vida inteira que também tenho pela frente.

O convite partiu de uma amiga brasileira que é professora desta escola pública, situada num prédio recém-construído que custou US$ 57 milhões. Só a estátua de um longhorn, o boizão de mega-chifres símbolo do Texas e da escola, custou US$ 110 mil. Com uma estrutura física de fazer cair o queixo -- salas altamente equipadas com computadores e audiovisual, biblioteca gigantesca repleta de desktops, academia física de primeira linha, aulas de culinária com cozinha industrial, entre outras amenidades -- era certamente melhor do que a maioria das universidades públicas que já visitei no Brasil. Certamente melhor do que a UFPE quando lá estudei em 1996, onde mal havia máquinas fotográficas para as aulas de fotografia. Mas como em terra de cego quem tem um olho é cego também, minha amiga professora da United High School conta que a hipocrisa local não permite, por exemplo, que os estudantes tenham aulas de educação sexual -- a pedido dos pais, a propósito. Em pelo menos uma das suas turmas há três garotas de menos de 17 anos que já têm filhos. Os professores são instruídos a não tocarem no assunto. Aulas sobre drogas são permitidas, inclusive há um senhor autorizado a andar com uma maleta cheia de exemplares das drogas mais consumidas instruíndo os estudantes a manterem-se longe delas. Vá entender.

Como grande perfeccionista que sou, preparei apresentação de PowerPoint, busquei exemplos de produtos e ações com os quais os estudantes se identificassem e treinei minha fala por diversas vezes, mentalizando uma sala repleta de alunos interessadíssimos no que eu tinha a lhes dizer. Meu marido tirou o maior sarro de mim, me chamando de teacher's pet, ou "bichinho de estimação do professor", apelido muito comum por aqui para quem é estudante certinho e faz amizade com professores. Reconheço, sou bem geek mesmo, vulgo CDF, e até hoje mantenho contato com alguns professores da universidade onde me formei.

Havia vários profissionais naquela manhã fazendo visitas de sala em sala: advogados, policiais, bombeiros, pastores de igreja, médicos e até onde sei, apenas eu de marketing. Também apenas eu utilizando PowerPoint, mas e daí? Tenho certeza que me diverti mais do que qualquer outro palestrante convidado e os estudantes mostraram-se super interessados, fazendo várias perguntas. Exceto por uma aluna que queria cursar faculdade de marketing, nenhum estudante tinha noção da disciplina. Gostei de me ver exercendo aquele papel professoral, passando adiante um pouco do conhecimento que adquiri ao longo de 10 anos de carreira. Me fez até repensar que tipo de emprego vou procurar quando for chegada a hora. Se eu pelo menos consegui motivar um aluno que seja -- nem falo necessariamente para a profissão de marketing, mas para ingressar na universidade, já que o índice de alunos que completam o high school em Laredo é de apenas 50% -- eu serei eternamente grata por ter tido aquela chance de conversar com as turmas. É calmante e acalorada a sensação de ajudar alguém que precisa de orientação. Um garoto perguntou se eu gostava do que faço. Respondi que sim e tentei ser o mais convincente possível (acho que consegui), sem o cinismo de quem já viu muito ao longo dos anos, exaltando o dinamismo de uma área que está sempre se modificando para melhor atender às necessidades e desejos dos consumidores que todos somos. Mas aquela simples pergunta me trouxe algumas reflexões.

Aprendemos que o trabalho enaltece o ser humano. Até aí, verdade. Os aprendizados da jornada profissional de fato contribuem para o nosso crescimento pessoal. Precisamos produzir, criar, e o trabalho nos traz esta possibilidade. Nasci num meio proletário-classe-média, ainda que um proletariado intelectual que usava o cérebro para trazer para casa o arroz e feijão de cada dia. Entre os valores aprendidos na infância estavam o de que o trabalho é honrado e que deve-se trabalhar para ganhar o seu. Eu e meus irmãos fomos ensinadas a termos ambições e a sermos financeiramente (além de emocionalmente) independentes. Eu e minha irmã fomos doutrinadas especificamente a jamais dependermos de homem algum. Valores que certamente passarei adiante para meus descendentes. Ao mesmo tempo, cresci com aquele desejo nutrido por 99,99% dos humanóides de quem sabe um dia eu ganharia tanto dinheiro a ponto de não precisar mais trabalhar, ou de apenas fazer projetos quando me desse vontade, sem que minha existência física neste mundo dependesse deles. Porque convenhamos, para a maioria de nós que trabalha para sobreviver, por mais que se goste da profissão e do trabalho que se escolhe a verdade é que no fundo é trabalho. Trabalho oposto a lazer e descanso. Trabalho para onde temos que nos deslocar de segunda a sexta, enfrentando ônibus, metrô e trânsito e passando mais tempo com seus colegas de trabalho do que com sua família e amigos. Como a maioria das pessoas do meu círculo de amizades, escolhi até quatro meses atrás labutar pegando no batente em horário comercial, mas quase sempre passando da hora sem ganhar hora-extra por isto. Ironias a parte, eu deveria inclusive ficar feliz por ter ganhado uma promoção para gerente e, portanto, deveria fazer hora extra quando possível sem ganhar um centavo a mais por isto, pois era "cargo de confiança". Doei corpo e alma para trabalhar em empresas onde, com o salário que eu recebia -- ainda que considerado um bom salário para padrões brasileiros -- não teria condições de ser compradora dos produtos que eu mesmo vendia. No passado isto já rendeu revoluções, mas hoje calamos a boca devivo às outras amenidades que conseguimos com o fruto das nossas noites mal-dormidas e das poucas horas diárias dedicadas ao lazer (simplesmente pela total impossibilidade de se ter tempo livre com frequência, uma vez que da hora que se levanta pela manhã em função do trabalho até o momento de se chegar em casa à noite já se passaram entre 13 e 14 horas; reserva-se duas ou três horas para descomprimir e torna-se necessário encostar a cabeça no travesseiro para começar tudo novamente na manhã seguinte). Claro, há um batalhão de pessoas na pior e eu aqui reclamando do meu risoto de camarão. Apenas um porém: isto não chega a ser uma reclamação, apenas uma constatação do óbvio, das coisas como elas são.

Agora me encontro num momento particular em que estou sem emprego porque ainda não tenho permissão para trabalhar neste país. E dependendo do meu marido para o frango-com-macarrão de todos os dias. Há cinco meses não trabalho fora de casa: ganhei o nobre título de rainha do lar. Virei pilota de fogão, algo que também pode ser extremamente cansativo e enfadonho, mas que neste momento não chega a me incomodar. Divido o meu dia entre a cozinha, o computador, as aulas de violão, a academia, a cuidar dos animais de estimação e o supermercado. Diariamente alguém dos Estados Unidos ou do Brasil me pergunta quando voltarei a pegar no batente. Ainda que minha permissão de trabalho só saia daqui a três ou seis meses, semanalmente meu marido me pergunta se já andei pesquisando empresas em Houston, para onde nos mudaremos em breve. E cada vez mais percebo novamente o óbvio: que somos julgados pelo trabalho que temos ou que não temos, e que há uma pressão enorme em ter que se trabalhar. Ou em ter que produzir algo, qualquer coisa que não seja tão ordinário como esta vida doméstica que atualmente vivo. Como já sabemos, os playboys de antigamente, que passavam a vida entre festas e iates sem jamais bater ponto, já não têm o mesmo status dos playboys de agora que trabalham pela ambição de fazer mais dinheiro, por poder, ou quem sabe até por prazer. A tônica da modernidade dita que se você não precisa trabalhar, então tem que ser patrão. Agora, uma heresia: não sou playgirl e a verdade -- e preciso gritar -- é que não estou sentindo a menor falta do trabalho. Daquele trabalho que me trouxe tanto e me fez chegar até onde estou hoje (olhando por um lado bem simplista, fui eu quem comprei minha passagem e fiz toda a minha mudança para os Estados Unidos; tudo com os reais contados do meu suor). Nem estou com pressa de produzir nada além deste blog, nem de inventar outros projetos, outros hobbies, enfim. Tem horas que a gente tem que ser ordinário mesmo, até porque no meu caso sei que isto não será para sempre. Tem horas que a gente tem que apertar o botão de pause pessoal para poder digerir tudo o que não tivemos tempo de fazê-lo porque não tínhamos tempo.

Não ganhei na loteria nem me casei com um homem rico. O dinheiro está contado e para mantermos o padrão que tínhamos antes do casamento eu terei que voltar às origens muito em breve. O que farei com gosto quando a hora chegar, dando o melhor de mim para a empresa que me contratar. Já tenho um plano traçado, e o desejo de ser patrão também está lá, me servindo de cenourinha nesta corrida chamada vida. Mas tudo dentro do seu tempo.