segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Considerações sobre o trabalho e uma vida ordinária: parte 2

Neste ato solitário que é escrever, mesmo um blog que considero tão inofensivo quanto o meu, com pensamentos de alguém que não é especialista em nada e generalista em quase tudo, me dou conta do quanto é saudável poder trocar idéias a respeito dos assuntos que aqui publico. Na solidão da escrita rápida de crônicas corriqueiras é muito comum faltar um checklist aprofundado dos temas em destaque. Ao reler o que escrevi dias após a publicação, tenho vontade de reescrever algumas mal traçadas linhas. A auto-crítica faz-se constantemente necessária. Recentemente uma amiga deixou um comentário no post em que eu fazia algumas considerações sobre o trabalho e uma vida ordinária. Ao reler o texto, me dei conta da quantidade de outros pensamentos relevantes ao tema que deixei de expressar. Este post, portanto, é um addendum aos pensamentos aqui escritos em 02 de dezembro.

Ficou um hiato no meu texto sobre a opção de ser mãe e viver uma vida dedicada ao lar. Algo que considero totalmente nobre se, tendo a mulher a opção de trabalhar dentro ou fora de casa, for feito de maneira consciente, por livre e espontânea vontade. Nada como as liberdades. Cuidar da educação de uma pessoa, fazê-la crescer saudável e plena é um dos atos mais nobres que conheço. E dá um trabalho da porra! Tenho várias amigas que fizeram esta opção. Um ponto importante: todas americanas ou brasileiras vivendo nos Estados Unidos, onde as facilidades econômicas propiciam esta escolha. O custo de colocar o filho numa creche ou contratar uma babá é tão alto que muitos casais optam para que um dos cônjugues fique em casa na função integral de mãe ou pai. Obviamente que em 99,9% dos casos quem assume o papel é a mulher. Com a recessão, porém, algumas amigas ou voltaram ao batente ou estão trabalhando meio-período.

Acredito veemente, porém, que ainda que se escolha ficar em casa, é importante para a mulher dedicar um pouco a mais do seu tempo a outras atividades que não sejam apenas a criação dos filhos ou a organização do lar, pois a vida é bem mais plural do que isto. Faça um curso de fotografia, aprenda a desenhar, vá a academia, comece um clube do livro. Produza, insira-se num meio criativo, esteja sempre a expandir seus horizontes, pois trará imensos benefícios para si mesma e consequentemente para o resto da família. O que acontecerá no dia em que os filhos forem embora? Fazendo outras atividades focadas no seu bem-estar, exercita-se, entre tantos itens de uma vasta lista, a independência, o desapego e o estar em contato consigo versus anular-se por completo dentro de uma relação ou no papel de mãe, que é, em grande parte, o papel de servir.

Entre os meus planos de vida está o de ser mãe, ainda sem data definida. Mas aos 33 anos já não se dá mais para esperar tanto assim, portanto algumas reflexões começam a surgir com mais frequência, entre elas a de se optarei por ficar em casa durante uma temporada cuidando dos filhos ou se tentarei me dividir entre o trabalhar fora de casa e o trabalhar dentro de casa. Como bem colocou minha amiga Genoveva, "cá entre nós, à mulher moderna restam estas duas opções!" Por mais que os homens que minhas amigas elegeram para se casar sejam, na sua maioria, bem mais flexíveis que a geração dos seus pais, estou por conhecer um casal realmente moderno no qual o trabalho doméstico seja dividido meio a meio entre homem e mulher. Talvez exista lá no reino da Dinamarca, onde tudo é perfeito, mas no Brasil ou aqui nos Estados Unidos eu ainda não vi. Em geral o homem simplesmente se abstrai de tomar a iniciativa para certas funções. Meu marido é um bom exemplo: é bastante compreensivo no que toca as responsabilidades do lar, ajudando sempre que peço, porém se eu não pedir, assume-se que eu, por não estar trabalhando fora, tenho a responsabilidade de fazê-lo. Ou então faz pela metade: leva o lixo para fora, mas não coloca um novo saco plástico na lixeira. Como se a lixeira fosse robótica e automaticamente acionasse o refil. Eu, buscando sempre a modernidade, já devo estar na trigésima-quarta repetição de "amor, por favor, não se esqueça de colocar um novo saco plástico." Sabe aquela história de entrar por um ouvido e sair pelo outro? E apois. Mas existe também o caso da mulher tomar para ela a maior parte das responsabilidades. Um dia uma amiga, exausta física e emocionalmente, me confidenciou que o marido nunca havia trocado a fralda dos filhos. Eu perguntei se ela já havia deixado que ele o fizesse. Ela se deu conta que ele tentou uma vez, mas por fazê-lo tão mal ela tomou para si a totalidade da função. A verdade é que nós, mulheres, com nosso perfeccionismo e alto grau de exigência, podemos ser tão controladoras a ponto de dificultarmos nossa própria vida sem nos darmos conta.

Trabalhar no lar dá um trabalho danado e é uma ocupação que nunca acaba -- sempre há uma louça para lavar, uma roupa para passar, uma lâmpada para trocar, um banheiro para limpar. Não há remuneração e muito menos reconhecimento, além de ser um trabalho repetitivo e criativamente limitado. Ainda que seja possível ter uma empregada, caberá quase sempre à mulher a função de organizar a casa: efetuar o pagamento da diarista, fazer a lista do supermercado, decidir qual será a ceia de natal, lembrar o marido do aniversário do pai dele, mudar as cortinas da sala, chamar a empresa que limpa carpetes, organizar o batizado da filha, pregar os botões do casaco do filho, marcar consultas médicas para família. Novamente, pelas razões que mencionei acima: abstração do cônjugue ou pelo fato da mulher tomar como sendo dela estas responsabilidades. Alguém me diga se há outras razões. Tendo-se, pois, opções de escolha entre trabalhar dentro ou fora-dentro de casa, acredito que eu opte pela segunda. Lembro muito bem das minhas colegas de trabalho no Rio de Janeiro que enchiam os olhos de lágrimas ao falar que já era a terceira noite consecutiva que não conseguiam ver o filho porque, ao chegarem em casa, ele já estava dormindo. Espero não ter que passar por esta constante sensação de frustração e culpa, mas pelo que pude observar é inerente ao ser mulher-mãe-profissional. Mas no fim das contas, dá para balancear as multi-funções e conviver com as nóias sem apelar para Prozac ou meia garrafa de vinho por dia. Espero, quem sabe, conseguir um trabalho com horário flexível ou home-office. Ser mãe e cuidar do lar é um trabalho nobre, mas o trabalho fora de casa também e honrável e enobrece. Acredito que quando tanto o marido quanto a esposa ganham seu próprio dinheiro, a relação do casal se torna mais equilibrada. Porque convenhamos, por mais maravilhoso que seja o parceiro, há uma relação de poder advinda de quem está trazendo o pão pra dentro de casa. Primeiro, porque ganha-se mais força na barganha da delegação das atividades domésticas. Segundo porque ninguém merece ter que ouvir o marido dizer que está sem poder comprar camisas novas porque, em vez disto, o dinheiro foi para a depilação com cera quente da esposa. Lógico que, neste caso, a mulher tem o total direito de chantagear o marido dizendo que passará a adotar um penteado vintage no seu pólo sul.

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