sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Nadando sigo, entre margens

Foto: 1000dias.com

Sou fã de histórias de amor. Histórias de amores possíveis e impossíveis. Histórias de amores que começam com arroubos avassaladores de paixão ou que gradualmente afloram da leveza das amizades. Vive-se para amar e somente um cínico poderia discordar desta verdade.  E assim chego hoje, humilde, aceitando que a minha história de amor acabou.

Desnecessário descrever (ou seria necessário?) a dor do processo no qual, durante muito tempo, a alimentação diária foi um coquetel Molotov de toxinas emocionais enfiadas com agulha na veia.E ainda que meu coração tenha mais cicatrizes que as costas de Frida Khalo eu continuo a confiar nas virtudes provenientes das histórias de amor. A próxima dela sendo uma história de amor-próprio: eu amando e perdoando cada pedaço das minhas imperfeições e aceitando as escolhas que fiz na minha vida.

Pois acredite, existe um grande presente proveniente da dor do fim das histórias de amor: uma gigantesca capacidade de transformação mental e espiritual com uma bússola apontando para um estado sereno de plenitude.  A duração do processo depende da capacidade de adaptação ao novo. Divórcio é um troço que chacoalha as entranhas mitocondriais do espírito. Veneno, mas também antídoto.  E a hora agora é de colocar a vida na balança, pois o momento invoca muitos “res”: re-pensar, re-organizar, re-começar. Abraçar a vida como um rio que flui mas que também tem margens delimitadas. Do lado de lá o passado. Do lado de cá o presente em confluência com o futuro. Uma vida de possibilidades onde talvez a mais relevante delas seja viver a vida que se quis viver, olhando para trás apenas para buscar forças nos pilares que lhe impulsionam para cima: família, amigos, Deus. Momento de buscar o divino dentro de si, lavar as feridas, se ver completamente nua, baixar a guarda, preencher os espaços vazios com esperança.

Abraço, pois, a fronteira do lado de cá, onde reaprendo com os erros, onde perdôo quem me magoou e as mágoas que causei -  aos outros e a mim. O processo inclui episódios de uma vida inteira e vai muito além do casamento dissolvido. Na fronteira do lado de cá eu celebro as bênçãos recebidas durante  os anos em que estive casada e honro o homem com quem um dia eu quis dividir o resto da minha vida. Me encho de gratidão – e olha, pode espalhar por aí que gratidão é um negócio contagiante, correntes elétricas de um prazer inexplicável. Agradecer pela dor não é querer sofrer, mas saber honrar as provações da vida como mestres. Alquimia: botar o negativo num tubo de ensaio e fazer sintetizar um raio de luz dourada do outro lado.

Estou em processo de trânsito. Já pulei do alto da margem do lado de lá e agora nado nas águas caudalosas do rio em direção ao outro lado. Em direção ao meu norte pessoal. Tenho esbarrado em pedras, me hipnotizado com o canto das sereias e pego carona em cardumes de peixes prateados jamais vistos. Me encanto e me assusto com a jornada, mas vejo os contornos da margem nova que se aproxima. A vista a quilômetros de distância já anuncia paisagens vislumbrantes, ainda que desconhecidas. É necessário seguir nadando.