domingo, 28 de abril de 2013

For All no Palco Cigano

Os melhores presentes são os inesperados. Assim, como encontrar um naco de goiabada dentro de um bolo de fubá. Ou se deparar numa noite de sábado cheia de relâmpago e trovão da primavera texana com uma banda de sotaque gringo arrepiando uma sanfona arretada logo antes dos mundialmente famosos Gipsy Kings entrarem no palco. Arre égua, e olha que era For All pra gringo nenhum botar defeito!

Eu arregalei os tímpanos quando ouvi o triângulo trianglando, incrédula por alguns segundos. “Peraí que este é meu território!” E lá dos fundos da casa de festas saí forropiando até a boca do palco, tiriquitim, tiriquitim, tiriquitim, dá licença aí que isto aqui tá muito bom, isto aqui tá bom demais! Da fila do gargalo eu presenciei tudo. O galego tinha uma sanfona furiosa. Abria a bicha pras esquerdas, esticava a bicha pras direita e ajafun ajafun ajafun, pelos primeiros cinco minutos de gemedeira eu quase pensei que o galego fosse piauiense batizado em Rajada. O batera tocava os tambores como se fossem zabumba. O guitarrista guitarrava como quem tinha tomado Pitú com rapadura. E com uma voz macia e a boca cheia de eRRes o galeguim cantou num folêgo só: “vem moRena nos meus bRaços, vem moRena vem dançar, queRo veR tu remexendo, queRo ver tu requebRar.” Eu requebrei até quase quebrar, dançando sozinha com meu braço como cavalheiro no meio da multidão. De quando em vez eu enfiava o mesmo braço na cintura de Nancy, uma animadíssima californiana-mexicana entendida da vertente salsa do bate-coxa nordestino, e a gente rodopiava junto. Andrea, argentina de sorriso fácil e integrante do trio de amigas em festa, sacudia pernas e braços familiarizada com aquele ritmo que havia escutado em alguma esquina de Buenos Aires. A maioria do povo, mesmo sem forrozear e desprovido de contexto daquele som tão diferente e contagiante balançava o corpo em aprovação. Os “Matutos” – sim este era o nome da banda – foram aplaudidíssimos. Matutada boa da peste!

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Eu tenho certeza que naqueles vinte minutos de baile eu perdi os olhos e o nariz. Minha cara devia ser só dente de orelha a orelha, tanto era que eu sorria, ganhadora da loteria dos boêmios incuráveis. Aquele som serviu pra assoprar a poeira do cérebro. Em instantes revivi o Trevo, a casa de festa onde forrozei altas madrugadas adentro nos primeiros anos de adolescência. Candidamente conhecido como Trevas, era também o lugar onde prefeito, puta, motorista de ônibus, professora e doutô dançavam pacificamente até o próximo tiroteio. Vieram também `a mente as festinhas nas varandas das casas, onde Amelinha, Luiz Gonzaga e a trilha sonora de Top Gun conviviam harmonicamente embalando uma geração de petrolinenses. E vaquejada, festa de São João, quadrilha, Forró da Espora…meu lobo occipital era uma colcha de retalhos com tema Barraquinhas.

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 Os Gipsy Kings mandaram muito bem. Teve djobi, djobi e um bamboleo incendiário. Mas memorável mesmo foram aqueles rapazes de Nova Iorque arrebentando no fole, fazendo o coração desta meio americana mas forever nordestina zabumbar em perfeito compasso. Eles tocaram for all, mas a sanfonada de alegrias que ainda me faz sorrir foi todinha for me.