segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Os pássaros

Existe um quintal verdejante em Laredo onde pássaros do tamanho de galinhas atacam diariamente, vorazmente, ferozmente, a bacia de ração de duas feias cadelinhas por quem meu coração começa a amolecer. Dos galhos da bela árvore que sombreia os fundos deste quintal, a gang espera a chegada da manhã, quando a comida de Sadie e sua ciumenta e enlouquecida filha Precious é reposta. Existe uma silenciosa conspiração em andamento sobre aquela fresca grama.

O líder do bando é um corvo invocado de bico sempre aberto. Chega saltitante, peito para o alto, muito macho no seu papel de corvo líder. Seu olhar tem a adrenalina do proibido, o regogizo do sucesso clandestino. Mas também a "medonha dor de um demônio que sonha", como diria Poe. Toma o primeiro pedaço de ração e, assim, dá sinal verde para o resto da horda fazer seu arrastão diário. Em poucos segundos, a grama é ocultada por outros destemidos corvos, gordas pombas acinzentadas e plutônicos pardais. As desgrenhadas cadelinhas, do tamanho dos seus algozes, refugiam-se nos fundos da casa, na sombra do muro. Pra que lutar, se não temos asas? Pra que latir se em breve nossos humanos nos alimentarão novamente com sacos de 10kg de comida? Comam, sirvam-se. Há abundância para todos na América.

Uma conspiração no fundo do quintal. A submissão à raça humana é apenas um disfarce bem planejado. As cadelinhas ensaiam seu latido de liberdade. É necessário haver algum tipo de justiça na fronteira. As asas precisam de força para voar. A revolução começa nas garagens e nos quintais frondosos. No prato de ração. Por um prato de ração. O corvo líder, já destemido com minha presença, gralha "fome, nunca mais."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Eu adoro um comentário sobre as minhas coisices. Escreve, escreve!