domingo, 30 de agosto de 2009

A chuva que não me molhou

Choveu nesta terra quente e eu não vi. A chuva correu de mim como eu agora corro das obrigações. Foi uma chuva torrencial de alguns minutos, eu soube. Eu estava fora da cidade e não ouvi, não senti, não me molhei. Uma chuva que me enganou: gordas nuvens dissimuladas, celulites de excesso d'água naquele céu de azul berrante que 24h antes não diziam nada que romperiam sobre o meu telhado. Trapaceira. A chuva que espero há dois meses para lavar minha cabeça, purificar meus sentidos, molhar as partes que querem se fazer áridas contra a minha vontade. Queria escutar o som de Laredo na chuva, inspirar o cheiro de Laredo na chuva, sentir o meu corpo em Laredo na chuva. Queria me batizar na chuva que carrega a água do já deplorável Rio Grande, pingos de contrabando centenário, gotas fortes de mexicanos em fuga, garoa de amores delimitados por uma fronteira de feridas abertas. Água doce, água salobra, que gosto tem esta água que cai do céu sem me avisar? Pergunte ao mato, pergunte ao vento, pergunte aos arbustos que esverdejaram quando entrei na cidade e o céu estava azul-fim-de-mundo, belo, sórdido e medonho, um azul sem piedade, e a terra cheirava finalmente a terra e o pó agora era finalmente lama. Pague agora, gota por gota: não te darei o gosto de derramar minhas lágrimas. Represarei minhas águas para o momento exato em que eu quiser exibir o quão caudalosa eu também posso ser.

xxx

PS: Não faz duas horas que escrevi estas linhas acima. Consegui pirraçar a natureza: chove um Rio Grande volumoso sobre a minha cabeça. Laredo está em baixo d'água. Preciso sair e mergulhar um pouco.

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