quinta-feira, 9 de julho de 2009

Desbravando

Desde pequena tenho uma fome alucinante por tudo o que eh estrangeiro. E nao estou falando so de homem nao! Entram aqui idiomas, culinaria e manifestacoes culturais em geral. Na minha cabeca, faz sentido pensar que eh porque eu fui gerada num estado e nasci na fronteira entre dois outros estados. Morar na minha cidade natal para o resto da vida nunca foi uma alternativa viavel. Loucura era nao sair. Cair no mundo era e ainda eh a unica forma de me sentir viva (ainda que seja tao facil me trancar em alguns universos particulares). O ideal romantico de colocar a mochila nas costas e se jogar ainda continua em alta, ainda que com o tempo a necessidade de maior conforto comece a falar mais alto (ja penso duas vezes antes de encarar uma barraca de camping!). Mas ao me jogar na estrada, sobretudo se estiver rodeada por um idioma diferente do meu e umas situacoes onde eu me sinta completamente perdida, ai sim eh que a vida pulsa. Eh o cano de escape pra quem geralmente tem a tendencia a querer controlar o incontrolavel.

Lembro que ainda pequenininha gostava de olhar para o mapa mundi (naquela epoca ainda existiam a URRS e a Checoslovaquia, e o estado do Tocantins era apenas um grande e vasto Goias). Gostava de buscar nomes para os meus futuros filhos inspirados em paises e cidades: Mauricio, Italia, Grecia, Trinidade, Cairo. Algumas decadas depois conheci uma mulher chamada Italia e dei uma risadinha de satisfacao por dentro. Eu e minha irma tambem tinhamos um caderninho de colagens, onde pregavamos fotos de modelos recortadas de revistas de moda e faziamos de conta que era nosso album de viagens. Uma roupa para cada cidade e pais visitado. Eramos umas globe trotters de armario.

Quando algum amigo estrangeiro dos meus pais vinha nos visitar, eu ficava abestalhada tentando compreende-los. Eram aliens, sem duvida. Seres diferentes que carregavam um aura fascinante. Certamente porque traziam seu mundo consigo e despejavam-no sobre a mesa de jantar com aqueles sotaques engracados e charmosos, aquelas historias de alem-mar que me faziam viajar junto.

Praticamente nao viajei durante a infancia. Minha familia nunca foi de planejar ferias e meus pais viveram anos bem apertados economicamente durante minha pirralhice. Minhas amigas faziam excursoes de onibus para o Paraguai -- imaginem so, 4 dias de viagem dentro de um busao, atravessando o Brasil -- e o Paraguai me parecia o paraiso exotico na Terra. Escutava suas historias de viagem e depois eu inventava um portunhol fuleiro para conversar sozinha pelos cantos da casa. E quando via suas fotos de viagens a Disney, eu queria morrer de pura inveja e vontade.

Aos 11 anos entrei no curso de ingles, o ET English TOEFL. Certamente o melhor curso de ingles ja inventado. O metodo, ate onde sei, foi criado pelo dono do curso, Henry Sauerbrown, um americano de Illinois que se mudou para o sertao nordestino, casou-se por la e criou seus filhos ate falecer ha poucos anos. Henry, ou melhor, Henrique, como era chamado, foi um dos grandes incentivadores do meu desejo de correr o mundo, pois alem de ensinar sua lingua nativa, seu curso fomentava o desejo de conhecer de perto a cultura americana. Aos 16 anos meu ingles ja era otimo, faltava apenas aprimorar as girias e a velocidade natural do idioma. Consegui entao embarcar num intercambio para Iowa, onde estudei por um ano numa high school. Dois anos depois, consegui uma bolsa de estudos para retornar ao pais, cursar faculdade e trabalhar por um periodo, totalizando 5 anos de Kansas. Como quase todo brasileiro, tenho uma relacao de amor e odio com os Estados Unidos, um pais que foi tao generoso comigo, que me deu experiencias riquissimas de vida, mas que eu ainda tenho uma dificuldade enorme de digerir diversos aspectos da sua cultura e modo de viver. Mas enfim, sinto o mesmo em relacao ao Brasil. Sempre ha visceralidade quando se ama.

Foram nestas experiencias que meu mundo realmente se abriu. As fronteiras ficaram diminutas a cada nova nacionalidade que chegava a minha vida cotidiana. Conheci gente do mundo inteiro, namorei estrangeiros, aprendi espanhol, cheguei a estudar grego, numa noite ia para uma festa da galera do Casaquistao e no dia seguinte a um jantar promovido por meu vizinho do Catar. E, olhem so, cheguei ate a trabalhar por um verao na Disney (nunca subestimem um desejo pueril). Misturei buchada com fois gras e sushi e fiz disto meu farto cafe da manha.

Depois de ja inserida na vida profissional, consegui fazer outras viagens para o exterior, e cada uma delas funcionava como uma descarga eletrica de alta voltagem na minha auto-estima e na concretizacao de sonhos nutridos ao longo de uma vida. Ainda nao rodei o tanto quanto gostaria devido ao binomio tempo e grana. Mas nao consigo pensar em portos permanentes. Ja cheguei a cogitar que isto poderia ser um sinal de fuga, mas depois de anos de analise, me dei conta que so consigo mesmo eh fugir do tedio de nao me locomover. Certamente tudo isto pode mudar quando os filhos chegarem. Ate la, continuo acreditando que a estrada eh sabia e que eh necessario tentar sugar o maximo dela, mesmo quando tudo o que se faz eh parar numa esquina e observar a vida passar. Porque ela passa rapido demais, nao conseguimos segurar o tempo, tudo eh volatil e fragil, ate a memoria do que ja foi um dia.

Um comentário:

  1. Pouquíssimas pessoas desse mundo todo podem ler esse post e se ver em tantos parágrafos. Eu sou uma delas! Separe um bolso na mochila para guardar nossos próximos capítulos. Ainda teremos pela frente algumas calçadas em comum. Não tem fronteira que impeça isso acontecer. :) (me inclua aí p receber os posts) Bjsss

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