quinta-feira, 23 de julho de 2009

Cidade bilíngue

"What would you like to drink, ma'am? Café? Agua? Refresco?" Laredo é uma cidade bilíngue. Inglês e espanhol mesclam-se na mesma frase em total harmonia e naturalidade. Você pergunta algo em inglês e o interlocutor decide o idioma da resposta. Em algumas situações, é mais necessário saber espanhol do que inglês. Esta semana trocamos o telhado de casa, destruido pela geada de meses atrás. Como praticamente todos os trabalhadores braçais destas bandas, os homens que fizeram o serviço eram mexicanos e não proferiam uma palavra sequer em inglês. Caso eu não soubesse espanhol, não haveria comunicação. Em alguns caso, por falarem rápido demais, eu realmente não conseguia entendê-los. Cheguei a pedir para um deles repetir a mesma frase seis vezes, mas como meu cérebro não captava nada, apenas lhe servi uma Diet Coke e ficou por aquilo mesmo.

A população da cidade é 94% de origem hispânica, quase totalmente descentente de mexicanos. Portanto, mesmo os nascidos nos EUA falam espanhol, pois foi o idioma falado em casa. Além disto, tem um sotaque distinto, com uma certa diferença nos "erres"e na entonação. Como casam-se com outros hispânicos, continuam a reproduzir o ambiente em que cresceram. Outro dia fomos visitar uma amiga do meu noivo que estava se recuperando de um aborto devido a uma gravidez tubária. Ela é descendente de mexicanos, mas foi criada em inglês e só aprendeu espanhol mais tarde. Seu marido é também descentende de mexicanos. Falam inglês com espanhol salpicado nas frases. Em poucos instantes chegou um outro casal de amigos com dois filhos pequenos. A mãe era mexicana, o pai era americano de origem hispânica. Com os filhos, falavam os dois idiomas na mesma frase. As crianças de 4 e 2 anos entendiam perfeitamente.

Comecei hidroginástica esta semana. No primeiro dia, a professora, notadamente de origem hispânica, fez toda a aula em inglês. "Up, down, there we go ladies! One, two, three, put your knees up!" Já a instrutora de ontem falava assim: "Uno, dos, tres! Legs up! Three, four, five! Ahora con los brazos arriba de la cabeza. Very good, ladies!".

Há um jornalzinho local chamado Rio Magazine. É basicamente um espaço para coluna social e publicidade. O editorial é em inglês, mas os anúncios são quase todos em espanhol.

Estatísticas: de acordo com o Censo americano, em 2006 Hispânicos e Latinos constituiam 14,8% da população dos EUA, ou 44,3 milhões de pessoas. Os descendentes de mexicanos representam 64%, seguidos de 9% de porto-riquenhos. Na Wikipedia você encontra um vasto artigo sobre como é feita esta classificação étnica tão cheia de detalhes. A projeção é de que em 2050, existam mais de 120 milhões de hispânicos no na terra do tio Sam. Atualmente, o ritmo do crescimento desta população (24,3%) é três vezes maior que o crescimento da população total do país (6,1%). O Texas é o segundo estado com a maior população hispânica (8,4 milhões), atrás da Califórnia (13 milhões). Em terceiro lugar está a Flórida (3.6 milhões). Os EUA são o segundo país com o maior número de falantes em espanhol, atrás apenas do México. Ainda de acordo com o Censo, metade indica falar inglês "muito bem".

Existe uma imensa controvérsia sobre o uso do espanhol nos Estados Unidos. Alguns grupos afirmam que será o idioma oficial do país em algumas décadas (e aborrecem-se por completo), outros afirmam que não há riscos para o idioma inglês. Não vou entrar agora nos detalhes defendidos pelas correntes de pensamentos sobre esta discussão , mas acredito que a cultura bilíngue seja extremamente rica e benéfica. Existe uma diferença na forma de se expressar em inglês e espanhol, e como é proveitoso poder selecionar a maneira mais conveniente. Laredo e o país certamente se tornam mais interessantes por conta desta flexibilidade. E acredito sim que quem discorde disto no fundo seja um grande preconceituoso. Como a história bem mostra, linguagem é poder. Querer parar um idioma é uma forma de dominar, colonizar. Que o digam os idiomas indígenas existentes no Brasil. Lá, no século XVIII, o Marquês de Pombal proibiu as línguas indígenas e decretou o português o idioma oficial. Isto fazia parte da sua visão de tirar o país do "atraso", ou seja, de extirpar qualquer forma de manifestação que não fosse a do dominador. Certa vez fui a uma manicure mexicana aqui em Laredo e ela me disse que trabalhava numa empresa com outros mexicanos. De acordo com ela, existia uma distinção social entre os que falavam o inglês mais correto e com menos sotaque. A corda sempre aperta mais para o lado do "colonizado."

Como a língua é dinâmica, gostaria de voltar em 100 anos para saber como será o idioma de então. Um espanhol inglesado? Um inglês espanholado? Aqui existe um termo chamado "Spanglish", o equivalente do nosso portunhol. Talvez já seja o começo do amanhã.





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