terça-feira, 8 de setembro de 2009

As ruas fictícias de Laredo

Meu pai conhecia Laredo muito antes da minha chegada a estas terras. Não que tenha colocado os pés aqui antes, mas leitor voraz das aventuras em quadrinhos de Tex Willer, o herói fazendeiro americano que personifica as aventuras do velho oeste, já conhecia de forma romantizada os entornos desta região. Conforme o princípio da sincronicidade ("as coisas dão certo quando têm que dar"; ou, idem à lei de Murphy, "quando é pra dar merda espere uma diarréia"), às vésperas da minha mudança para esta cidade ele quis mostrar ao seu futuro genro o seu fascínio por este universo eternizado em gibis e filmes de bang-bang. Pausa para um suspiro globalizado: meu pai baiano, na sua cidade pernambucana, mostrava ao seu genro americano um gibi italiano traduzido para o português sobre uma aventura que se passava na fronteira texano-mexicana. Ao acaso, retirou da estante um dos exemplares da sua vasta coleção e eis que na primeira página da reedição de "Missão Suicida," publicada pela primeira vez em 1979, estavam Laredo e Nuevo Laredo às margens do Rio Grande num mapa simplificado do sul do Texas. Como não sorrir com estes pequenos sinais (de que nada é por acaso, de que há um plano maior para nossas comuns vidas etc etc etc) que ornamentam minha por vezes cética mente? Lembro que naquele exato momento, mesmo sendo um pontinho preto num canto esquerdo de uma página de quadrinhos, Laredo não apenas parecia menos remota, como também ganhava uma certa grandiosidade.

Poucas semanas mais tarde já nas bandas do norte, numa noite boêmia regada a vinho, W me surpreende tocando no computador pelo menos cinco versões de uma linda canção, algumas nas vozes de ninguém menos que Johnny Cash e Joan Baez. Bela e triste, é a balada de um jovem cowboy em seu leito de morte após haver sido baleado no peito. A cera dos meus ouvidos derreteu imediatamente ao saber o título: The streets of Laredo, ou "As Ruas de Laredo". Em pesquisas posteriores, descubro que ela tem origens no século XVIII e portanto várias versões, não sendo atribuída a nenhum autor específico. Num contexto mais pop também fez parte da trilha sonora do filme O segredo de Brokeback Mountain. Perdoem minha ignorância, mas acreditava até então jamais haver escutado esta música. E Laredo, perdoe minha arrogância, mas também não fazia idéia do seu prestígio. No final deste post encontra-se a letra com uma tradução que acabei de improvisar.



Mais uma pesquisa e descubro que existe um filme de 1949 também entitulado The streets of Laredo. A estória se passa no Texas em 1878 e narra as aventuras dos amigos de infância Jim, Lorn, Wahoo e Rannie. Jim vira fora-da-lei, Lorn e Wahoo viram Texas Rangers e Rannie precisa escolher entre o amor de Lorn e Jim. Para completar o meu total arreganhamento de mandíbulas, entre 1967 e 1969, a rede de TV americana NBC exibiu um seriado chamado Laredo. Misturando humor e ação, também tinha os Texas Rangers como protagonistas.



Então Laredo não é tão esquecida. Ou melhor: Laredo é de fato uma cidade lembrada, musa inspiradora -- ou pelo menos assim foi até o final da década de 1960. Existe um nicho que a reconhece, nem que seja através da sua forma fictícia e romantizada: seus cowboys, seus ranchos, seus cactus, seus cavalos. Tudo isto ainda vivo na realidade além-vídeo, tudo isto também já modernizado e transformado: cavalos brancos por todos lados em formas de grandes pickups 4x4; um cowboy paraplégico de chapéu, bota e cinturão na sua cadeira de rodas motorizada escolhendo cereal no corredor do supermercado. Eu ainda não vi, mas minha mãe disse que domingo pela manhã bem na frente da minha casa havia um cowboy montado num grande cavalo.

Existe uma Laredo viva na mente de aficcionados por faroeste que habitam o sertão pernambucano ou remotas colinas de vilas italianas. Existe uma Laredo eternizada numa bela canção de conteúdo agonizante, em clipes de You Tube, nos bites e baites de uma Internet que tudo armazena e tudo expõe. Existe uma Laredo cuja fama atravessa gerações. Existe, neste ano de 2009, a minha tentativa de conhecer esta cidade, mas entendo que minha vaidade a aceita, quase sempre, apenas como pano de fundo para meu auto-conhecimento.

The Streets of Laredo
Versão Johnny Cash

As I walked out on the streets of Laredo.
(Enquanto eu caminhava pelas ruas de Laredo)
As I walked out on Laredo one day,
(Enquanto eu caminhava por Laredo um dia)
I spied a poor cowboy wrapped in white linen,
(Eu espiei um pobre cowboy envolto em linho branco)
Wrapped in white linen as cold as the clay.
(Envolto em linho branco tão frio quanto a argila)

"I can see by your outfit that you are a cowboy."
(Eu posso ver pela sua vestimenta que você é um cowboy)
These words he did say as I boldly walked by.
(Estas foram as palavras que ele disse enquanto eu vigorosamente passei ao seu lado)
"Come an' sit down beside me an' hear my sad story.
(Venha e sente-se ao meu lado e escute minha triste história)
"I'm shot in the breast an' I know I must die."
(Fui baleado no peito e sei que devo morrer)

"It was once in the saddle, I used to go dashing.
(Uma vez sobre a sela eu costumava seguir impetuoso)
"Once in the saddle, I used to go gay.
(Uma vez sobre a sela eu costumava me animar)
"First to the card-house and then down to Rose's.
(Primeiramente no jogo e depois na casa de Rose)
"But I'm shot in the breast and I'm dying today."
(Mas estou baleado no peito e estou morrendo hoje)

"Get six jolly cowboys to carry my coffin.
(Traga seis animados cowboys para carregarem meu caixão)
"Six dance-hall maidens to bear up my pall.
(Seis dançarinas de salão para colocarem minha mortalha)
"Throw bunches of roses all over my coffin.
(Joguem muitas rosas sobre meu caixão)
"Roses to deaden the clods as they fall."
(Rosas para amortecer a terra enquanto ela cai)

"Then beat the drum slowly, play the Fife lowly.
(Então batam o tambor lentamente, toquem o pífano bem baixo)
"Play the dead march as you carry me along.
(Toquem a marcha fúnebre enquanto vocês me carregam)
"Take me to the green valley, lay the sod o'er me,
(Levem-me para o vale verde e joguem a terra sobre mim)
"I'm a young cowboy and I know I've done wrong."
(Eu sou um jovem cowboy e sei que fiz coisas erradas)

"Then go write a letter to my grey-haired mother,
(Então escreva uma carta para minha mãe de cabelos grisalhos)
"An' tell her the cowboy that she loved has gone.
(E diga-lhe que o cowboy que ela amava partiu)
"But please not one word of the man who had killed me.
(Mas por favor nenhuma palavra sobre o homem que me matou)
"Don't mention his name and his name will pass on."
(Não mencionem o seu nome e seu nome sobreviverá)

When thus he had spoken, the hot sun was setting.
(Então quando ele terminou de falar, o sol estava se pondo)
The streets of Laredo grew cold as the clay.
(As ruas de Laredo ficaram frias como a argila)
We took the young cowboy down to the green valley,
(Levamos o jovem cowboy para o vale verde)
And there stands his marker, we made, to this day.
(E até hoje ainda está lá a sua lápide que nós fizemos)

We beat the drum slowly and played the Fife lowly,
(Nós batemos o tambor lentamente e tocamos o pífano bem baixo)
Played the dead march as we carried him along.
(E tocamos a marcha fúnebre enquanto o carregávamos)
Down in the green valley, laid the sod o'er him.
(Para o vale verde, onde jogamos terra sobre ele)
He was a young cowboy and he said he'd done wrong.
(Ele era um jovem cowboy e disse que havia feito coisas erradas)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Eu adoro um comentário sobre as minhas coisices. Escreve, escreve!