quarta-feira, 8 de maio de 2013

Das coisas iniciadas e não concluídas

Tenho uma lista enorme de projetos iniciados e nunca concluídos. Coisas pela metade, pela terça parte.    Coisas escancaradamente abertas como aqueles sobrados nas encostas dos morros recifenses, cariocas e jamaicanos:  têm tijolo, cimento e parede mas falta acabamento. Minha vida tem sido assim, feita de puxadinhos sem reboco. A eterna necessidade de explorar também me causa falta de foco. E uma puta ansiedade.

Faz quase quatro anos que me mudei para o Texas e desde então explorei aulas de violão, tango, meditação em templo budista chinês e metalurgia para a confecção de anéis. Também esbocei pelo menos dois roteiros de filmes e outras duas idéias de negócios. Sem contar no francês iniciado no Brasil, o curso de vinho pela Internet ou as 238 vezes em que comecei uma dieta e parei. Ou este blog, salpicado com hiatos de mais de um ano. Iniciei cada um destes projetos com uma energia fenomenal, mas não tardava a esquecê-los com a mesma frenética velocidade. 

Em Laredo cheguei a tocar uma música inteira no violão, mas agora, três anos mais tarde, não me pergunte onde fica o dó porque não vou lembrar. Hoje o violão acústico mofa no armário, sofrendo de esquecimento. Isto sim é de dar dó.

Ao me mudar para Houston descobri que há uma enorme comunidade tangueira. É possível dançar tango todos os dias da semana, nos mais diversos ambientes, como estúdios, restaurantes e casas de chá. Aprendi com o tango que não dá para se controlar tudo na vida: para ser a dama no tango é necessário confiar no parceiro, se deixar levar, deixar-se dominar. O tango foi praticamente um tapa na minha cara. Até hoje vou ao delírio com acordes de Piazzolla e com a beleza do baile, mas ainda não me conformo com a minha total incapacidade de tanguear. Foram 10 meses e dois pés esquerdos. Logo eu, a brasileira que sempre dançou. Como não eu, a moça que raramente se deixou descontrolar por completo. 

A meditação foi outra revelação. Eu achava que meditar seria entrar num estado de êxtase, tipo, sei lá, um orgasmo sem clitóris. OK, péssima analogia, mas enfim, imaginei que minha alma fosse ser elevada a uma outra dimensão, uma viagem de ácido sem efeitos colaterais. Talvez esta forma de meditar até exista, mas confesso que ainda nem "googlei" esta possibilidade. Durante três meses eu ia ao templo do outro lado da cidade tentar esvaziar a mente de pensamentos errantes. A princípio parecia uma tarefa humanamente impossível, completamente contrária ao estilo de vida ditado pela nossa moderna e enlouquecida sociedade multi-disciplinar. Aos poucos fui aprendendo a dominar meu próprio cérebro. Sentia calma e um senso de controle. Um tipo de controle diferente daquele que eu não conseguia me desapegar nas aulas de tango. Não pratiquei meditação o suficiente para virar expert em libertar a minha mente e me concentrar apenas no aqui e agora, mas os ensinamentos aprendidos com aqueles jovens monges chineses ainda ressoam: "nada é permanente nesta vida, tudo passa. Apenas a mente fica." 

Fiz dois semestres de aulas de metalurgia uma vez por semana. Eu acabara de voltar de uma semana na Jamaica. Vi uma rastafari vendendo seus colarzinhos na praia e senti uma enorme vontade de produzir algo também. Eu que nunca havia trançado nem pulseirinha de linha pulei direto para a aula de anéis em cobre. Manejei ferramentas que pareciam tiradas de um livro medieval de torturas. Descobri que cobre é um metal macio. Aprendi a fazer pátina e a soldar pedacinhos de metal tão minúsculos que seria possível confundi-los com grãos de areia. Atenção ao detalhe era crucial: ou tinha cuidado ou um naco do meu dedo ia embora no processo manual de serrar a prata. Metalurgia foi uma forma de meditação ativa. Foi uma das raras atividades onde me permiti viver o instante, estar presente, esvaziar a cabeça dos pensamentos aleatórios. Perdi o meu primeiro projeto, um chaveiro em formato abstrato, nos arredores de uma churrascaria. De uma carne que nem era tão boa assim. Liguei, voltei para procurar, mas nada. Fiquei arrasada. O chaveirinho de linhas minimalistas significava que eu era capaz de produzir algo palpável. Dei o terceiro e último projeto, um pingente de prata, para minha mãe no último Natal. Mantenho o segundo, um anel de cobre, sempre por perto. Foram pelo menos 12 horas para produzi-lo. Apesar de raramente usá-lo, olho para ele todas as manhãs e me lembro que quando me empenho sou capaz de concluir algo e produzir coisas simples e belas, ainda que em estado artesanal. Há beleza e saciedade num ângulo de 360 graus. 

Embora eu tenha largado tudo isto no meio do caminho, estes projetos traduziram-se em pequenas grandes lições. Talvez este tenha sido o objetivo primordial deles na minha vida. Ainda tenho vontade de tanguear e destinar pelo menos 15 minutos do meu dia a meditação. Ainda adoro metais e bijouterias e de vez em quando bate uma vontade louca de começar um negócio nesta área. Uma coisa é certa: me auto-denominar uma exploradora da vida minimiza qualquer sinal da minha falta de compromisso. É ao mesmo tempo uma justificativa plausível e uma excelente desculpa. Posso olhar o recorrente padrão de comportamento de duas formas: ou tenho construído uma mansão sem reboco ou tenho embarcado numa viagem intergalática ao Centro da Liberdade. Ainda não tenho respostas. Ser pilota da própria vida é uma honra, mas talvez seja hora de parar para colocar os pingos nos is. Ou seria isto muito limitador?







6 comentários:

  1. Hummm, pensando... como vc me identifico com estes projetos sem término... mas faz parte do aprendizado da vida, vc bem o colocou.
    Precisamos de desafios ou morremos em vida... Nossa desorganização revela-se na finitude, no que é breve tecemos nossa vida... beijos Mommy

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    1. "no que é breve tecemos nossa vida." coisa linda, bet. meus leitores escrevem coisas belas e inspiradoras. que presente. beijo.

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  2. Oi, Ju

    Acho que vc escreveu um pouco para mim também. Não tenho muitos projetos abandonados (ainda bem !), mas os que tenho auto-se-me-cobram bastante. Há outros deixados de lado por absoluta falta de compatibilidade entre mim e a proposta deles, o que só percebi depois. Por exemplo: ioga. Queria e quero ser uma pessoa zen a todo custo, para viver mais.... viver melhor..... escutar mais e ouvir menos.... essas coisas. Mas quando experimentei, não dei conta: devagar demais para mim. Vc já viu uma pessoa tornar-se zen sem adotar o "devagar"? Então li nos entremeios e concluí que minha "zenzice" deve ser aprendida por etapas, primeiro baixando a velocidade de 150km/hora para 149. Sim, é assim mesmo, pode crer... A distância entre o que me move e o eu que se quer mover é abissal e se chama inquietação. Nela não quero mexer, pois tenho absoluta consciência de que no dia em que ela sumir de mim, eu já terei deixado de existir com certeza. Quero é diminuir a pressa de meus passos e a tensão muscular que vêm junto com ela.
    Mas Juliana, a gente tem um álibi forte: buscamos o novo sempre, e como disse Artur da Távola (em um texto cuja cópia lhe prometi mas não sei se cheguei a enviar), o novo não significa acertar e pode ser não só o além, mas ainda o aquém. Bjim.

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    1. Belas palavras e parabéns por concluir a maioria dos seus projetos! Esta inquietação que você descreve é sem dúvidas o que nos impulsiona. É uma força transformadora e vital. Quando o desejo vai embora, a alma vai embora junto e o corpo definha antes do tempo. Sim, adoraria receber o texto de Artur da Távola! Poderia me mandar por email? julimor2000@yahoo.com Beijo enorme!

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  3. Olá Juliana! Sou amiga da Adriana de Viçosa e ontem ouvi uma música que me fez lembrá-la. Ao escrever pra ela no Facebook vi um post seu sobre o Fronteirices. O nome já me encantou! Tomei a liberdade de lê-lo. Um post, dois, três... a identificação foi tamanha que quase o li por inteiro. Sua abordagem ora subjetiva ora visceral me despertou sensações familiares! Espero que volte mais vezes para este cantinho virtual e nos presenteie com tão belas publicações.
    Um grade abraço,
    Deise Eclache

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    1. Oi Deise! Você não faz idéia do quanto o seu comentário me fez feliz! Escrevo aqui as coisas do meu universo particular como forma de terapia, sabe? Saber que você, que nem me conhece pessoalmente, se identifica com meus rabiscos é extremamente gratificante. A vida se faz de identificações e conexões. Seja bem-vinda ao meu mundo. :-)

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Eu adoro um comentário sobre as minhas coisices. Escreve, escreve!