domingo, 19 de maio de 2013

Americanizando: a caminho da cidadania




-Quem é o chefe do supremo tribunal de justiça dos Estados Unidos da América? - perguntou a oficial de imigração, obviamente latina de nascimento por conta do sotaque, do sobrenome e das características físicas.
-John Roberts - respondi.
- Quantos representantes tem a Câmara dos Deputados?
- 435.
- Em que mês se vota para presidente nos Estados Unidos?
- Novembro.
- Quem é o pai da nossa nação?
- George Washington.

Eu precisei estudar 100 questões sobre conhecimento cívico, histórico e geográfico dos Estados Unidos e acertar seis de dez perguntas na minha entrevista final para virar cidadã americana. Também era necessário escrever uma resposta para mostrar meu entendimento básico do idioma inglês. Precisei jurar, sobre pena de ser julgada por crime de perjúrio, que nunca fiz parte de uma organização nazista, que nunca pertenci ao partido comunista, que não sou terrorista, que juro lealdade a este país e que estou disposta a portar armas em nome dos Estados Unidos da América. Foram quase quatro anos de muita papelada preenchida, duas entrevistas, três visitas a escritórios diversos para tirar fotografias e impressões digitais e cerca de US$2.000,00 em tarifas burocráticas, mas em um mês eu participarei da última etapa do processo de cidadania, o  juramento à bandeira.

Saí da entrevista com emoções à flor da pele, tentando digerir o significado de tudo aquilo. Abracei o meu marido, figura chave em todo este processo, um americano que quer se tornar brasileiro, e chorei. Um choro profundo, lá do fundo da alma. Alegria, alívio, apreensão, tudo misturado. Minha jornada neste país, iniciada há 20 anos como estudante de intercâmbio cultural aos 16 anos, prestes a culminar num marco que eu, not even in my wildest dreams, jamais poderia imaginar.  Correção. Minha jornada começou bem antes, aos 11 anos de idade, durante as aulas de inglês depois do colégio, quatro dias por semana, uma hora e meia por dia. O ET English TOEFL foi uma excelente escola de inglês fundada pelo professor Henry Sauerbraun, o Henrique, americano de Illinois que se mudou para Petrolina-PE nos anos 70, se casou com uma brasileira, teve filhos brasileiros e com seu forte sotaque português ensinou gerações de petrolinenses a irem muito além do the book is on the table. Hoje no céu onde mora tenho certeza que Henrique ensina às almas que voltarão ao mundo o prazer de explorar outras culturas. No seu caso, ele ensinava com orgulho e gosto a língua e a cultura da sua terra natal. Num sertão pré-Internet fascinado com o American way of life, foi o professor Henrique quem botou algumas toneladas de lenha na minha fogueira de exploradora da vida além das fronteiras da margem média do Rio São Francisco.

Eu não sabia que os Estados Unidos não reconhecem a dupla cidadania. Tomei conhecimento deste fato somente durante a minha entrevista com a oficial de imigração. Uma vez cidadã americana, perante a justiça americana eu oficialmente deixarei de ser brasileira. Por outro lado, o Brasil reconhece a dupla cidadania, então poderei carregar os dois passaportes. O meu marido foi quem mais insistiu para que eu me tornasse cidadã americana. Como defensor público federal, o advogado que o governo providencia para acusados de crimes federais que não podem pagar um advogado privado, ele lida diariamente com imigrantes e já viu incontáveis casos de famílias serem divididas por conta de um dia o trabalhador, mesmo com seu greencard, ter sido deportado, acusado de algum tipo de crime como dirigir embriagado.

Entre as minhas idas e vindas a este país - intercâmbio, faculdade, casamento - lá se vão 10 anos. Virar cidadã nunca foi o que me moveu a empreender esta jornada, mas sim uma consequência dela. Até porque, com minhas ciganices, eu sempre me imaginei morando em várias partes do mundo em diferentes momentos da minha vida. A verdade é que vontade por si só ainda não me levou a explorar este sonho por completo. Em toda a minha vida eu só morei em dois países. Os Estados Unidos têm um papel crucial na minha formação, naquilo que hoje sou e naquilo que um dia vou me tornar. Os Estados Unidos me trouxeram amigos leais e generosos, uma vida material confortável, um contínuo senso de motivação e um grande amor. Mesmo tendo que passar por todo este processo de entrevistas e papeladas, suas portas estiveram não apenas abertas, mas escancaradas para mim. Por tudo isto, I'm proud to become an American e também extremamente grata. Da mesma forma, apesar de voltar a Petrolina já não ser mais uma opção, ser brasileira, nordestina e sertaneja são fatores determinantes da minha personalidade e uma grande fonte de orgulho.

Como quase oficialmente americana, ainda brasileira e eternamente cidadã do mundo, juro lealdade ao eterno desejo de explorar, de expandir os horizontes e de entender que a Verdade depende em grande parte do seu interlocutor.  Num mundo pós-Internet onde as distâncias culturais e geográficas são cada vez mais ténues, é necessário ter compaixão e empatia para não se deixar levar pelo pré-julgamento do que é certo e errado. Vale lembrar que para abrir os horizontes não é preciso cruzar oceanos. Um livro com idéias fora da sua zona de conforto, uma visita a um templo de uma religião que você não pratica e o degustar de um prato com um ingrediente novo são um excelente começo para o processo de desbravamento.






6 comentários:

  1. Julizinha,

    Felicidades neste continuar do então com sotaque definitivo. Grande beijo.
    Irene

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, querida Irene! Fico feliz em honrada em ter voce como leitora destas minhas coisices :-)

      Excluir
  2. Parabéns Ju, que sua nova cidadania seja repleta de abundância, amor, prosperidade... Bjo grande

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Patty - eh bom poder aproveitar os presentes que aparecem na estrada. Obrigada sempre pelo carinho!

      Excluir
  3. Muito bom, adorei! O ultimo parágrafo então...vou até divulgar no meu facebook! Bjs

    ResponderExcluir
  4. Opa, mas como assim o blog não tem opção " compartilhar no Facebook"? =0

    ResponderExcluir

Eu adoro um comentário sobre as minhas coisices. Escreve, escreve!