segunda-feira, 20 de maio de 2013

A sílfide de cafeína nos olhos

Se aparecesse por trás de uma cortina iluminada por incandescentes holofotes seria fácil chamá-la de sílfide. Sua sombra mostraria o contorno do corpo magrinho e delicado exaltando a mais romana feminilidade. Um par de pernas longas e perfeitamente contornadas, uma cinturinha de se abraçar com as duas mãos. Trajava um vestido dois palmos acima do joelho, lilás com flores brancas. Ou seria o contrário? Um vestido saído das páginas de um livro de moldes de boneca de papel. Andava com graça, vigor e auto-confiança do balcão de atendimento à mesa do pátio em encontro ao sol.

No curto intervalo em que apareceu naquele café na manhã de domingo tomou pelo menos duas xícaras cheias de java. E eu me enchi de interrogações. O que será que escutava por baixo dos brincos de camafeu? Que cores discernia por trás dos olhos marcados de delineador azul intenso borrado? O mundo que a olhava via o Tempo. O mundo que eu olhava via o Tempo. Sua pele era o Tempo, enrugada em cada centímetro possível de epiderme, salpicada de mochas manchas, algumas do tamanho de tâmaras, gordas manchas de tantas décadas, uma para ano vivido e mais umas dezenas para suas próximas reencarnações.  Não era possível decifrar se o penteado despenteado e obsecado de laquê era indicação de texicanidade, de excentricidade ou de loucura. Seu cabelo era do mais perfeito branco, aquele branco que só o Tempo sabe colorir. Eu, do alto dos meus castanhos cabelos tingidos naquela mesma manhã, tentava usar um pouco da sabedoria que o Tempo me concedeu: observar mais e julgar menos. Fracassei: mas como assim aquele vestidinho lilás? Tenho certeza que ela escutou meu inadequado pensamento. De xícara na mão seu olhar cruzou o pátio e foi parar no fundo da minha retina. Um sorriso dela e a resposta veio fácil. E como não aquele vestidinho branco de flores lilás? O Tempo chegou, mas com olhos de cafeína ela encapsulou seu jovem espírito e deu uma rasteira no Tempo. E em qualquer sinal do meu estúpido pré-julgamento.


10 comentários:

  1. Juli, vc está escrevendo lindo... este texto é literário mesmo, minha querida! Vou postar no"poesia aos domingos", merece. Sabe que me lembrou a escrita de Júlio Cortázar?! Valeu... beijos mil, Mommy

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    1. Nao sei nem o que dizer! Um elogio destes vindo de voce, e outro semelhante vindo de Irene, eh pra inchar meu ego a elevacoes himalaias! Muito obrigada! Beijo enorme.

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  2. Muito lindo, Juliana. Acho que seus escritos merecem uma publicação. Este conto, então..... Beijo. Irene

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    1. Irene, vou copiar/colar igualzinho ao que escrevi a Dona Bet:
      Nao sei nem o que dizer! Um elogio destes vindo de voce, e outro semelhante vindo de Bet, eh pra inchar meu ego a elevacoes himalaias! Muito obrigada! Beijo enorme.

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  3. ô Desbra...ta lindo mesmo o conto...mas eu sou tão literal que não consigo entender a nuance da literatura...me conta, quem foi essa senhorinha de vestido lilás que te fez olhar pra tu mesma quando a vias? :) Amo tuas palavras. Parabéns

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    1. Oi, Eco! Muito obrigada pelas belas palavras. Esta senhorinha foi uma musa (ou seria uma fada?) que apareceu no ultimo domingo enquanto eu tomava um cafe escrevendo um outro post do Fronteirices. :-)

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  4. Ju!!!
    Lindo demais! Estive fora desse negócio de blog por um tempo, mas voltei agora, depois de Elena (um filme incrível e imperdível) que me tirou da inércia. E aí, a primeira parada foi aqui, nesse texto lindo seu. Cê tem que escrever mais e mais, porque é uma delícia te ler... além do que mata um pouco das minhas saudades baianas da senhor(it)a!! beijo!

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    1. Tati linda! Muito obrigada pela força! Até agora nem eu entendo porquê eu parei de escrever por um tempo se eu gosto tanto! Vá lá entender este povo doido! hahaha. Super obrigada, baby. Você sabe que eu tb sou mega fã dos seus escritos (e de você, forever vizinha!). Bjs.

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  5. Desbra, menina, mais de um mês se passou, cadê o próximo post? Engrena de novo, vai! ;-) Sou eu, sua antiga " colega"...rs

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